Reminiscências de uma repórter

17/09/2009 às 18h45, Por Dilton e Feito

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ou como se fazia jornalismo em tempos sem internet
 

Por Socorro Pitombo*

Estava de volta à cidade. Recém formada em jornalismo pela UFBA, fazia o percurso de volta à terra natal.  Vivíamos a década de 70. Na Sucursal do Jornal da Bahia tinha a responsabilidade de colocar em prática a teoria que aprendera durante os quatro anos de faculdade. Era a primeira mulher em Feira de Santana a fazer incursões no jornalismo profissional, com atuação inclusive na cobertura policial, até então restrita aos representantes do denominado sexo forte. Hoje é tão comum ter mulheres na redação fazendo polícia! Elas estão aí, em todas as áreas atuando com seriedade e competência. Mas, naquele tempo, em uma cidade ainda provinciana, era uma verdadeira audácia!

O desafio era grande para uma jovem profissional. Num universo predominantemente masculino tinha que fazer respeitar o trabalho desenvolvido em igualdade de condições. No começo foi difícil. Mas, aos poucos, os colegas e as próprias fontes de notícias foram se acostumando a lidar com uma mulher na atividade diária do jornalismo. O preconceito foi vencido a duras penas e muito serviço.

Mas se enfrentava preconceito, também sabia aproveitar das vantagens de ser mulher. Quantas matérias importantes foram conseguidas, mesmo com alguma resistência do entrevistado, usando de bom senso aliado à sensibilidade e à intuição, enfim, ao sexto sentido feminino. Nada de anotações, muitas vezes bastava uma boa conversa e  estabelecia-se a confiança.

Já naquela época, fazia-se em Feira de Santana um bom jornalismo. Noticioso e investigativo também. Vivíamos um tempo de grande efervescência em nosso meio.  Sucursais de importantes jornais baianos, instaladas na cidade, a exemplo do Jornal A Tarde, que ainda mantém a sucursal em Feira, Jornal da Bahia e Diário de Notícias, estes já extintos há alguns anos, davam o tom e estimulavam uma saudável concorrência com a mídia local.

Além disso, sucursais de jornais do Sul do país, como Jornal do Brasil, O Globo e Estado de São Paulo, sediadas em Salvador, também absorviam a mão-de-obra local. Trabalhávamos como free lancer, sempre que um acontecimento político exigisse maior atenção – como os grandes comícios que animavam as campanhas eleitorais -, e a crônica policial merecesse estar em destaque em nível nacional. Política e polícia, como ainda hoje, desafiando o jornalista e atraindo o interesse do público leitor.

A imprensa feirense pode se orgulhar de ter feito bons trabalhos jornalísticos, de ter contribuído para servir à sociedade, como é sua missão.  Lembro de um crime de grande repercussão e com desdobramentos imprevisíveis, que culminou com a destituição de toda a polícia local. Delegados e escrivões, além de outros funcionários que ocupavam cargos por influência política, sem nenhuma formação nem preparo tiveram que arrumar a mala e partir. Vieram então os delegados de carreira.  Recordo bem claramente que a imprensa teve uma participação decisiva nesse episódio.
 

Eram tempos difíceis. Nem por isso, éramos menos felizes. Não havia internet nem outras facilidades, impensáveis então. Aqueles que atuavam nas sucursais transmitiam as matérias por meio do único telex instalado na agência dos Correios. Era comum, no final da tarde, os repórteres se reunirem no local para enviar o trabalho do dia. A disputa era acirrada para enviar a matéria em primeira mão. Apesar de todo o coleguismo era preciso sigilo. Cada um guardando com todo cuidado a sua informação mais preciosa. Afinal, todo o esforço dispensado desde a coleta de dados até a produção da matéria não podia ser em vão.
 

Não raras vezes aconteciam imprevistos. Depois de todo um dia de trabalho, os jornalistas eram muitas vezes surpreendidos com uma má notícia. O velho telex havia enguiçado. No jornal, o espaço aberto esperava a matéria. Não se podia falhar. E o único recurso naquela situação era transmitir todo o texto pelo fio. Isso mesmo, por telefone e da nossa casa. No dia seguinte, haja matéria truncada, texto sem nexo e outros equívocos, que nem é bom lembrar.  Enviar fotos então, demandava sacrifício maior. O próprio repórter fotográfico se encarregava de levar o filme até a matriz do Jornal. Seguia de ônibus até Salvador, retornando em seguida para começar tudo de novo no dia seguinte. Hoje, com as câmeras digitais e as facilidades da internet fica difícil imaginar tanto desgaste para colocar uma foto no jornal. Mas era assim mesmo que as coisas aconteciam.

Saudosismo? Nem um pouco. Sou mulher do meu tempo. E estou sempre procurando acompanhar de perto as mudanças e me beneficiar com o progresso que a tecnologia nos traz. Mas é bom recordar um tempo que se foi, sobretudo quando temos   lembranças interessantes a nos acompanhar.

Agora, longe de ser a única mulher jornalista da cidade – e são tantas e tão boas profissionais, procuro aprender e me reciclar com os mais jovens, homens, mulheres, tanto faz.  Com eles aprendo um pouco a cada dia. Aprendo, inclusive, que comemorar por um bom trabalho realizado não é privilégio de alguns, não depende da idade, nem da profissão. Sou uma romântica do jornalismo, devo confessar.  Ainda sou capaz de vibrar, com o mesmo entusiasmo da juventude, ao produzir e ver publicada uma boa reportagem. Amo o que faço e essa, com certeza é a receita de um casamento feliz com a profissão escolhida e  ainda hoje exercida. 
           
 
 
*Socorro Pitombo é jornalista.
 

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