Brasil
Reforma do Código Penal inclui legalização do aborto, eutanásia e porte de drogas
Anteprojeto de reforma do Código Penal brasileiro foi entregue ao presidente do Senado, José Sarney. O documento é fruto de sete meses de trabalho de 15 juristas, e propõe atualizar o defasado código elaborado em 1940
Acorda Cidade
Há 70 anos, maltratar animais era admissível, crimes cibernéticos não existiam e homofobia era uma coisa normal. Mas agora as coisas mudaram. Mudaram? Bem, cabe agora ao Congresso decidir. Nesta quarta (27), um anteprojeto de reforma do Código Penal brasileiro foi entregue ao presidente do Senado, José Sarney. O documento é fruto de sete meses de trabalho de 15 juristas, e propõe atualizar o defasado código elaborado em 1940.
Agora, ele começa a tramitar na Casa e será votado após passar pelas comissões necessárias. Se aprovado, segue para a Câmara de Deputados e, de lá, para a sanção presidencial. Não há prazo para que o texto comece a figurar nos livros de Direito Penal, pois como tudo o que envolve assuntos polêmicos, ele deve ser amplamente discutido, enfrentando inclusive a ira de grupos conservadores.
Entre os pontos mais polêmicos, o professor de Direito Penal da Faculdade Ruy Barbosa, Yuri Carneiro, elegeu o aborto e a homofobia como os que devem dar pano pra manga: "São assuntos que envolvem a bancada evangélica. E a briga deles com a bancada liberal deve gerar muito travamento de pauta", antevê.
É que pelo texto enviado ao Senado, o aborto deixaria de ser crime, desde que realizado até a 12ª semana de gestação e que seja atestado por um médico que a mãe não tem condições financeiras e/ ou psicológicas para arcar com a maternidade. Além disso, a reforma regulamenta a possibilidade de aborto de fetos anencéfalos (sem cérebro).
A inclusão do assunto no documento foi comemorado pelos grupos feministas. "O estado é laico e não pode ficar refém de grupos religiosos. As fundamentalistas que são contra o aborto não serão obrigadas a fazê-lo", observa a vice-coordenadora da Rede Nacional Feminista, Lílian Marinho.
Outro tema que deve deixar os religiosos em polvorosa é a possibilidade de a eutanásia deixar de ser crime. É que, enquanto a Constituição atual trata o assunto como um homicídio comum (pena de 6 a 10 anos), o anteprojeto prevê uma punição menor para quem "agiu por compaixão, a pedido da vítima, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave". Mais que isso. Em casos de comprovados "laços de afeição" entre as partes, a eutanásia deixa de ser crime.
Animais
Lembra da cadelinha Lana, a yorkshire espancada até a morte por sua dona em Goiás? E do vira-lata Lobo, que era constantemente agredido pela dona com um cabo de vassoura, em Pau da Lima? Quem assistiu revoltado aos vídeos postados por vizinhos dos agressores no Youtube (e também quem não teve estômago para ver, mas nem por isso ficou menos revoltado) terá um alento se o texto for aprovado pelo Congresso.
É que ele aumenta para quatro anos a pena mínima para quem maltrata animais. "Deixa de ser crime de menor potencial ofensivo", comemora a advogada Ana Rita Tavares, da ONG Terra Verde Viva.
Na prática, doação de cestas básicas e prestação de serviços comunitários não irão mais resolver o problema do agressor com a Justiça. Além disso, o abandono de animais também passa a ser crime, com três meses a um ano de prisão. "Agora eles vão pensar mais", acredita Ana Rita, se referindo aos donos dos animais.
Pontos problemáticos
Menos polêmicos, mas não menos complicados, alguns itens do texto precisarão de uma atenção especial das comissões do Senado. Um deles é o que regulamenta a Lei Seca. É que, pela nova regra, a embriaguez do motorista poderá ser comprovada apenas com o depoimento do policial ou agente de trânsito. "Isso vai gerar muito abuso de autoridade, porque o policial goza de fé pública (ou seja, presume-se que tudo o que ele diz é verdade)", opina Carneiro.
O especialista também critica o item que versa sobre o bullyng. A prática tão comum em escolas pode virar crime. E já que não é possível punir as crianças, os pais dos agressores poderão ser condenados a até quatro anos de prisão.
"Isso vai gerar muitos problemas. Bulling é um problema de relacionamento, se refere ao ambiente escolar. Não dá para responsabilizar criminalmente os pais dos alunos", diz. Entre os pontos problemáticos, o professor cita ainda a possibilidade de acordo entre vítima e criminoso, com possível extinção da pena, se os dois concordarem e o Ministério Público consentir. "Não podemos fechar as portas para esta possibilidade, mas também não pode ser para qualquer tipo de crime", entende.
Aborto
Hoje proibido a não ser em casos de estupro ou risco para a mãe, passaria a ser legalizado em fetos anencéfalos ou quando médico atestar incapacidade financeira ou psicológica da mulher;
Homofobia
Atualmente o preconceito contra gays pode, no máximo, se enquadrar como injúria. Pela proposta, a homofobia passa a ser crime inafiançável e imprescritível, como o racismo;
Animais
Quem maltrata animais hoje não fica preso. Pela nova lei, a pena passa a ser de um a quatro anos de prisão. O abandono também vira crime: três meses a um ano;
Bullyng
A prática não é prevista na legislação atual. A proposta é que vire crime e que os pais paguem pelas crianças agressoras: pena de um a quatro anos de prisão;
Drogas
O anteprojeto busca resolver uma confusão do código antigo, que diz que o consumo não é crime, mas o porte é. Pela proposta, o porte, cultivo ou compra de pequenas quantidades de droga deixa de ser crime;
Eutanásia
Desligar os aparelhos para poupar o sofrimento de um doente terminal deixa de ser tratado como homicídio e passa a ter pena menor: 2 a 4 anos. Se comprovados os laços afetivos, deixa de ser crime;
Crimes Cibernéticos
Regulamenta crimes que não existiam em 1940, como a invasão de um site, por exemplo;
Pena Máxima
Aumenta de 30 para 40 anos a pena máxima para réus reincidentes;
Lei Seca
A embriaguez passa a ser demonstrada por todos os meios possíveis, incluindo o testemunho do policial;
Menores
Quem usar menores de idade para cometer um crime passa a assumir a pena que o menor receberia, além da dele próprio.
Fonte: Correio
Assuntos