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Cegos também podem ser fotógrafos

Profissionais querem ser vistos como capazes e não só como exemplos de superação.

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Acorda Cidade

Ganhou corpo nos últimos anos, no Brasil e no mundo, a prática de fotografia para pessoas com deficiência visual — seja de forma amadora ou profissional. Os cegos fotógrafos se utilizam de outros sentidos para captar a foto e saber o que há no cenário a ser registrado, além de tomar como base algumas referências espaciais com a ajuda dos sons e de outras técnicas para poder se localizar.

Esses acontecimentos, por vezes, acabam sendo noticiados do ponto de vista da superação de obstáculos e desafios, mas a verdade é que grande parte dos fotógrafos cegos apenas quer se sentir em pé de igualdade com outros profissionais ou fotógrafos amadores. E utilizam a arte visual para representar sentimentos, desejos e comunicar a interpretação que possuem da realidade.

O simples fato de estar presente em um acontecimento e fazer parte daquele momento pode ser o suficiente para os fotógrafos cegos se recordarem de uma determinada foto. Com a ajuda de sons de pessoas, objetos ou alguma outra fonte sonora, conseguem criar uma imagem mental do registro que desejam fazer. Depois, basta perguntar para alguém como ficou a foto, para, por conta própria, saber se atingiu ou não os objetivos.

É o caso do fotógrafo esloveno naturalizado francês Evgen Bavcar. Ele constrói as fotos a partir do relato verbal das pessoas. Com a ajuda do tato, ele mede a distância entre a câmera e o item fotografado – seja um objeto ou uma pessoa. Bavcar tem memória visual, ou seja, pode se recordar das cores. Mas até mesmo quem nasceu cego pode desenvolver analogias e interpretações para cada cor existente.

No Brasil, alguns dos principais fotógrafos com deficiência visual são Teco Barbero, Marco Oton e João Maia. O último, inclusive, foi o primeiro fotógrafo com deficiência visual a registrar em imagens as olimpíadas, no ano de 2016. Mas existem diversas oficinas e iniciativas espalhadas ao redor do país para ensinar essa parcela da população a ter mais autonomia e independência para fazer seus registros, seja com uma câmera ou com um celular.

No caso do fotógrafo paulista Marco Oton, o contato com a fotografia começou ainda quando ele enxergava. A partir de 2004, passou a perder a visão de forma gradativa e foi no ano de 2008 que ele passou a desenvolver um método para ministrar um curso de fotografia para pessoas com deficiência visual no SENAC.

“Entendo que cada fotógrafo vai delineando o seu jeito de fotografar, por isso tenho minha própria técnica de eternizar momentos a partir da objetiva da câmera independentemente de ser câmera profissional, compacta ou celular”, diz. Para deixar a foto sempre alinhada, Marco sempre coloca a câmera embaixo do queixo para, assim, não perder a perspectiva do olhar.

O fotógrafo tenta romper com alguns paradigmas, como o fato das pessoas acreditarem que os registros fotográficos precisam ter um enquadramento perfeito e centralizado. Na opinião de Marco, a foto boa é aquela a qual o indivíduo conseguiu os objetivos pretendidos antes de dar o clique.

“Entendo que o maior fator limitador para expor o meu trabalho em grandes veículos de comunicação é a minha falta de visão, porque eles não param para ver o trabalho que executo, mas sim a minha deficiência visual como premissa avaliativa. Desta forma venho trabalhando incansavelmente para mostrar que a deficiência visual é apenas um charme no fotografar, porque tenho que potencializar todos os meus sentidos remanescentes no clique e assim registrar as fotos com muita qualidade”, ressalta o fotógrafo.