Andrea Trindade
Na segunda-feira (13), fez uma semana que o Tribunal de Justiça da Bahia atendeu a solicitação do Estado e suspendeu a interdição parcial do Conjunto Penal de Feira de Santana, o maior do estado. Por força de uma ação judicial movida pelo ministério Público, a unidade, no dia 26 de abril, foi impedida, pela segunda-vez, de receber novos presos até que o Estado atendesse às 15 cláusulas com recomendações firmadas em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). A medida contrariou os agente penitenciários.
A desinterdição ocorreu sob a justificativa de que a interdição parcial agrava o problema de superlotação de outras unidades carcerárias do estado – como, por exemplo, do Complexo de Delegacias de Feira de Santana, no bairro Sobradinho, que tem capacidade para 20 presos e estava abrigando quase 60.
Foto: Sinspeb
Com a liberação, o presídio regional passou novamente a receber presos e desde as transferências para o Conjunto Penal, dois internos conseguiram fugir. A forma como as fugas ocorreram estão sendo investigadas. Até o momento, nenhum dos dois foi capturado e, ao que tudo indica, um deles fugiu pulando o muro.
O questionamento dos agentes diante da decisão de desinterdição é: O que será feito a partir de agora? Eles ressaltam que o número de agentes é muito pequeno para a quantidade de presos e que na vigilância da unidade há diversos pontos cegos. Quando estava interditado, a condição para reabrir a unidade seria estar com todos os problemas apontados resolvidos. E agora, com a reabertura, todos os itens do TAC serão atendidos?
O diretor do Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado (Sinspeb), Marcelo Mascarenhas, relatou ao Acorda Cidade que respeita a decisão judicial, mas não concorda.
“Não concordamos porque os itens estabelecidos pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), pelo Ministério Público do Estado da Bahia e pelo juiz da vara de Execuções Penais de Feira de Santana, Valdir Viana, não foram cumpridos. Como, por exemplo, a instalação de bloqueadores de aparelhos celulares, o sistema de monitoramento por câmera na unidade prisional, a contratação de novos agentes penitenciários, mesmo com o concurso em aberto, a correção dos pontos cegos nas guaritas em onze pavilhões e na penitenciária feminina, a porta giratória na entrada de visitantes e o estabelecimento do scanner humano. Ou seja, desses itens, o governo apenas cumpriu, forçadamente, a abertura do minipresídio e de mais dois pavilhões, o seis e o onze.”
Ele também destacou que a quantidade de agentes penitenciários é insuficiente para atender um presídio com quase dois mil detentos. “Nós já tínhamos um número de agentes reduzidos, que agora está mais reduzido ainda. Nos itens do TAC, o aumento da altura da muralha interna e externa dos pavilhões, bem como a solução para os pontos cegos da guarita, não foram resolvidos”, informou.
Foto: Sinspeb
Laço umbilical com a violência
“Quando o sistema prisional é tratado com descaso, o governante passa a contribuir diretamente para o aumento da criminalidade urbana. Comprovadamente, o sistema prisional tem um laço umbilical com a violência fora e dentro dos presídios. Nós estamos vendo o aumento dos índices de violência (…). Não adianta modernizar a polícia sem modernizar o sistema prisional. Esses problemas crônicos precisam ser resolvidos de uma vez por todas. Nós percebemos que existe uma lógica perversa, de uma política equivocada, voltada para privatização e terceirização do sistema e esses itens não são cumpridos porque vão de encontros aos interesses da terceirização, mas a população não pode pagar esse preço.”
Capacidade
Segundo ele, a capacidade do Conjunto Penal é para 1.356 presos, mas há quase dois mil presos ocupando as celas. Além disso, o número de agentes penitenciários é cinco vezes menor que o ideal.
“No plantão 24h, são 22 agentes trabalhando. No mínimo, deveriam ser 100 agentes por plantão. Nos viramos aos trancos e barrancos. Fazemos um trabalho semiescravo, porque além dos pavilhões, o minipresídio e penitenciária feminina, as visitas, que chegam em média a mil pessoas, também aumentam o trabalho realizado por nós. As assistências também nós fazemos. A nossa função é de segurança intramuros. Nós combatemos o crime organizado e também cumprimos as assistências jurídica, ao trabalho, religiosa, médica e odontológica. A falta de modernização e tecnologia compromete o trabalho também.
Os pontos cegos
Ala destinada a presos “especiais” – sem vigilância de agentes penitenciários – em média de 20 presos (Foto: Sinspeb)
O sindicalista explicou ao Acorda Cidade que na última reforma e ampliação foi construída uma muralha, que impede a visão geral dos presos pelos agentes. “Quando os presos estão tomando banho de sol e a gente não consegue enxergar, nós ficamos encurralados. Então, no momento em que o preso pula o muro ou comete um crime, a gente não consegue ver. Para consertar, é só cortar as paredes e fazer a correção dos pontos cegos. Existe toda uma trama. O sistema prisional é fragilizado.”
Cada pavilhão tem uma guarita interna e externa. Um dos itens do TAC exige o aumento da altura da muralha interna e externa dos pavilhões, bem como a solução para os pontos cegos da guarita, que não foram resolvidos.
“Há 11 guaritas internas de responsabilidade dos agentes penitenciários e, cabe reforçar, que está no TAC a correção dos pontos cegos. Já externas, são 14 guaritas, que são responsabilidade da Polícia Militar. Apenas três são habitadas destas 14. As outras 11 ficam abandonadas. Com essas guaritas vazias, as pessoas se aproximam e arremessam aparelhos celulares, drogas e armas.”
Sistema de rodízio nas guaritas
Foto: Aldo Matos/Acorda Cidade
O tenente-coronel Moraes, comandante da Companhia Independente de Polícia de Guarda, responsável pelo policiamento na área externa do Conjunto Penal, esteve na semana passada na unidade e conversou com o diretor do presídio, capitão Allan Araújo. Segundo o tenente-coronel, o policiamento nas guaritas é feito em forma de rodízio, uma vez que algumas ficam vazias. “Os policiais ficam nos pontos mais vulneráveis e temos um número razoável de policiais que tem como fazer essa cobertura de forma ininterrupta. O policiamento nas guaritas é 24 horas. A gente faz esse rodízio para o preso não detectar qual guarita que ficará vazia.”
Investimentos e privatização
Questionando pelo Acorda Cidade sobre os investimentos, Marcelo Mascarenhas disse que o governo tem dinheiro para aplicar nos presídios.
“Tem sim. O governo do Estado, através da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap/BA), tem dinheiro em três contas, mais de 72 milhões de reais, de acordo com o juiz Valdir Viana. Esse valor deve ser usado em reformas de conjuntos penais do estado da Bahia. Tanto é que o conjunto prisional de Barreiras também foi interditado a pedido da promotora de Justiça, Rita de Cássia Bezerra Cavalcante. Quando o governo não moderniza o sistema prisional público, ele é sucateado. A população pensa que não funciona e aí o governo vem com a solução do sistema privado. Se houvesse investimento, por exemplo, se os itens do TAC fossem atendidos, o conjunto penal de Feira de Santana passaria a ser modelo para todo o estado”.
Área entre os pavilhões totalmente tomada pelo matagal – guarita sem vigilância da Polícia Militar (Foto: Sinspeb)
Presídio é uma bomba prestes a explodir?
Marcelo acredita que o Conjunto Penal é um a bomba-relógio prestes a explodir nas mãos nos agentes penitenciários, que é a categoria que enfrenta dia e noite a real situação. “Quem fez a desinterdição, a gente respeita, mas será responsabilizado por reforçar a crise que já se instala no conjunto prisional?”, questionou.
O que diz a direção
Foto: Aldo Matos/Acorda Cidade
O diretor, Capitão Allan, informou que durante a reunião com o comandante definiu estratégias para melhorar o policiamento, afetado pelo número reduzido de policiais e agentes penitenciários. “Esse número reduzido é uma constatação que deve ser discutida para que se criem ações de governo e estratégias para minimizar essa deficiência de efetivo”, disse.
Sobre as fugas, foram abertas sindicâncias para apurar como os dois detentos deixaram a unidade prisional.
O que diz o Governo do Estado
O Estado destaca que o Conjunto Penal de Feira de Santana possuía 340 vagas para 900 presos e, com recursos próprios, a Bahia ampliou a Unidade para 1.356 vagas. A Unidade Prisional também passou por reformas e possui recursos de última geração como 09 portais detectores de metais, circuito fechado de TV (CFTV), controle de abertura e fechamento das celas, da água e da iluminação pelo nível superior, sem que haja necessidade de contato do Agente Penitenciário com os presos, entre outros.
Na semana anterior à desinterdição, a Secretaria remanejou 14 Agentes Penitenciários para a Unidade e colocou em funcionamento mais um Módulo, como também, o Minipresídio, e espera nos próximos dias entregar outro Módulo.
Ainda segundo o Estado, a Seap espera inaugurar o 18º Núcleo da Central de Penas e Medidas Alternativas no município, logo após o fim do período eleitoral. A Assembleia Legislativa já aprovou o Projeto de Lei que visa a criação do Núcleo e estão sendo realizadas visitas de mobilização do Gestor Municipal, Poder Judiciário, Defensoria Pública e Ministério Público da Comarca de Alagoinhas, para futura implantação de unidade da Ceapa na cidade.