Estatuto da Criança e do Adolescente
A lavratura de TCO pela PRF e pela PM
Segundo a lei, a autoridade policial que tomar conhecimento da IPMPO deverá lavrar o TCO
23/07/2013 às 06h50, Por Juvenal Martins
Por Vladimir Aras
As infrações penais de menor potencial ofensivo englobam os crimes de pena máxima não superior a dois anos e todas as contravenções penais (art. 61 da Lei 9.099/95). Em relação a tais infrações não se impõe em regra a prisão em flagrante, se o autor da conduta (chamado de “autor do fato”) se comprometer a comparecer à audiência nos Juizados Especiais Criminais (JECRIM), fora competente para o julgamento destas espécies delitivas.
Segundo a lei, a autoridade policial que tomar conhecimento da IPMPO deverá lavrar o TCO. Quem é a autoridade policial, no sentido da Lei 9.099/95? Só os delegados de polícia ou também outros agentes policiais?
A questão não é nova. Interpretando o art. 69 da Lei 9.099/95, Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes, já em 1997, lecionavam:
Qualquer autoridade policial poderá ter conhecimento do fato que poderia configurar, em tese, infração penal. Não somente as polícias federal e civil, que têm a função institucional de polícia judiciária da União e dos Estados (art. 144, § 1º, in. IV, e § 4º), mas também a polícia militar. O legislador não quis – nem poderia – privar as polícias federal e civil das funções de polícia judiciária e de apuração das infrações penais. Mas essa atribuição – que só é privativa para a polícia federal, como se vê pelo confronto entre o inc. IV do § 1º do art. 144 e seu § 4º – não impede que qualquer outra autoridade policial, ao ter conhecimento do fato, tome as providências indicadas no dispositivo, até porque o inquérito policial é expressamente dispensado nesses casos (v. comentário ao § 1º do art. 77). (…) Exatamente neste sentido, a Comissão Nacional da Escola Superior da Magistratura, encarregada de formular as primeiras conclusões sobre a interpretação da lei (v. n. 13 das considerações introdutórias à Seção), apresentou a seguinte: Nona conclusão: ‘A expressão autoridade policial referida no art. 69 compreende todas as autoridades reconhecidas por lei, podendo a Secretaria do Juizado proceder à lavratura do termo de ocorrência e tomar as providências devidas no referido artigo.” (GRINOVER, Ada P. et. all. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995, 3ª ed., RT, 1997).
O TCO foi criado pela Lei 9.099/1995 para simplificar a burocracia policial e acelerar a apuração dessas infrações de menor complexidade, que são julgadas pelos Juizados Especiais Criminais (JECRIM).
O problema está em saber a quem compete lavrar esses tais TCOs. Delegados de Polícia insistem em que a atribuição é sua exclusivamente. Policiais de outras corporações, como a Polícia Militar e a Polícia Rodoviária Federal (PRF), sustentam que também detêm esta competência administrativa.
Os Ministérios Públicos dos Estados têm formalizado convênios com a PRF para que esta corporação lavre os termos para registrar IPMPO nas rodovias federais, tal como lavra boletins de ocorrência sobre furtos, roubos, receptação, homicídio e lesões corporais etc.
O TCO não é nada mais do que um boletim de ocorrência mais robusto, por isto chamado de “circunstanciado”. Em regra, a Polícia Militar e a PRF sempre produziram seus próprios boletins, dos quais constam informações importantes sobre a autoria, a materialidade do delito e suas circunstâncias. A lavratura dos TCO difere muito pouco disto.
Não há qualquer inconstitucionalidade na lavratura de TCOs pela PM ou pela PRF, pois a Constituição não assegura exclusividade para o registro da ocorrência de crimes. Quando lavram os termos (TCO), policiais militares e patrulheiros rodoviários não estão investigando crimes, mas apenas registrando fatos, em exercício de atividade administrativa que lhes é própria. Registrar um não é o mesmo que investigar crimes.
Por isto mesmo, é desnecessária formação jurídica para a lavratura desses boletins. Não fosse assim os escrivães das delegacias de Polícia deveriam ser bachareis em Direito e os membros de comissões de sindicância e de processo administrativo também deveriam ter formação jurídica. Não há – nem deve haver – apego ao bacharelismo na atividade policial. A Polícia não é um feudo dos juristas.
Aliás, os Juizados Especiais – onde se inserem o TCO – tampouco o são, na medida em que juízes leigos (art. 7º) podem neles atuar, como também conciliadores, que só “preferentemente” são recrutados entre os bacharéis em Direito (art. 73, único). Se nem na fase judicial há o império dos bacharéis, por que se proibiria a simples lavratura de TCOs por policiais-não-delegados?
Conforme o art. 69 da Lei n. 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais) e o parágrafo único do art. 173 da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), assim como do art. 144, §2º, da Constituição Federal, a PRF pode lavrar tais termos (TCO) e boletins (BCO), para apuração de IPMPO e registro de atos infracionais, condutas estas praticáveis por adolescentes infratores. Observe:
Lei dos Juizados Especiais Criminais
Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.
Estatuto da Criança e do Adolescente
I – lavrar auto de apreensão, ouvidos as testemunhas e o adolescente;
Parágrafo único. Nas demais hipóteses de flagrante, a lavratura do auto poderá ser substituída por boletim de ocorrência circunstanciada.
A expressão “autoridade policial”, que consta do artigo 69 da Lei 9.099/95, refere-se a qualquer autoridade pública que tome conhecimento da infração penal no exercício do poder de polícia, englobando a Polícia Militar, a Polícia Civil, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária, a Força Nacional de Segurança Pública e as
Polícias do Poder Legislativo e também as guardas municipais.
A expressão “autoridade policial” não é mais sinônima de “delegado de Polícia”. Tanto é assim que nas últimas leis criminais aprovadas pelo Congresso Nacional, a categoria tem insistido em redações em que a expressão “autoridade policial” é substituída por outra, esta sim singular: “delegados de polícia de carreira“. Foi isto o que ocorreu na Lei 12.830/2013 e também no PLS 150/2006 (Nova Lei do Crime Organizado), já aprovada nas duas casas do Poder Legislativo, mas – na data que escrevo – ainda não sancionada.
Perceba-se que nas hipóteses de TCO e BCO, não ocorre qualquer restrição ao direito de liberdade do autor do fato, porque, não havendo prisão ou apreensão em flagrante como regra, a PRF ou a PM não realizarão condução alguma.
Lembremos que o inquérito policial – e, consequentemente o TCO – é dispensável para o Ministério Público.
A ação penal ou o procedimento criminal pode iniciar-se sem o IPL e também sem o TCO. Diz o art. 39, §5º, do CPP:
Ademais, os procedimentos dos Juizados Especiais são marcados pelos princípios da celeridade, da informalidade e economia processual (art. 62 da Lei 9.099/95), que recomendam a simplificação das formas e aceleração dos ritos, desde a fase preliminar.
Além da inexistência de óbice legal à lavratura desses boletins ou termos pelas polícias de segurança pública, há duas razões de ordem prática para que isto ocorra.
Em primeiro lugar, a lavratura imediata do termo reduz enormemente o tempo de retenção do cidadão que cometeu uma IPMPO. Imagine que o fato tenha ocorrido em trecho de rodovia federal, situado a 50 km da cidade mais próxima. Se somente a Polícia Civil ou a Polícia Federal pudessem lavrar o TCO, o cidadão em questão teria de ser conduzido até a delegacia dessa cidade, para aí preparar-se o termo, com toda a perda de tempo e recursos que esta condução compulsória reclamaria.
Por outro lado, enquanto a PRF fosse conduzir esse mesmo cidadão à Delegacia, quem policiaria a rodovia? O trecho rodoviário onde o fato ocorreu ficaria desguarnecido, em função do deslocamento da viatura policial para o preenchimento do TCO ou do BCO na delegacia da Polícia mais próxima.
Obviamente, esta rotina não atenderia ao interesse público, nem cumpriria o dever de eficiência (art. 37, CF) que deve reger o agir da Administração Pública e complicaria ainda mais a vida do cidadão, que se verá interceptado na rodovia e depois desviado de sua rota, meramente para uma atividade burocrática de registro de fatos.
Ademais, com o uso das novas tecnologias da informação, guarnições policiais podem ter acesso a toda a base de dados criminais do Infoseg e a sistemas informáticos semelhantes, sendo capazes ainda de lavrar esses termos rapidamente, para também celeremente liberar o autor do fato.
O acórdão ficou assim ementado:
Enfim, qualquer autoridade policial, seja das polícias judiciárias ou das polícias de segurança pública, pode lavrar termos circunstanciados de ocorrência policial (TCO) ou boletins circunstanciados (BCO), para posterior encaminhamento aos Juizados Especiais Criminais federais, distritais ou estaduais, ou ainda à Vara da Infância e da Juventude. Lá, caberá ao Ministério Público (art. 129, I, CF) ou ao querelante adequar ou readequar a classificação jurídica provisória dada ao fato, para apreciação pelo Judiciário, na transação penal, na denúncia ou na queixa-crime, ou na representação sócio-educativa por ato infracional.
A Lei 9.099/95 é descarcerizante e desburocratizante. A lavratura de TCOs não é uma exclusividade dos juristas. Vamos simplificar, e não complicar.
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