Trânsito em julgado,

Ainda sobre a execução penal provisória

O Tribunal a sufragou. Creio que por uma ampla maioria. Depois se viu que isso estava se resultanExeceu;do no final num quadro de impunidade porque as pessoas recorrem e passam a recorrer abusivamente agora para o STJ e depois para o Supremo Tribunal Federal.

04/07/2013 às 07h16, Por Juvenal Martins

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Por Vladimir Aras

Em entrevista ao programa “PODER E POLÍTICA, do jornal Folha de São Paulo e do portal UOL (aqui), o ministro Gilmar Mendes deu a pista: a própria jurisprudência pode caminhar no sentido de voltar a admitir a execução provisória de decisão penal condenatória, independentemente de alteração legal ou constitucional. Transcrevo o trecho que interessa na entrevista concedida ao jornalista Fernando Rodrigues:

“Sabe que, a propósito disso, o ex-ministro agora Cezar Peluso defendia uma reforma que reduzisse o número de instâncias recursais. Teria que ser uma emenda constitucional. Havia dúvidas se era constitucional ou não fazer isso. Qual a sua opinião sobre isso para abreviar o tempo entre o processo e os diversos julgamentos e o cumprimento da pena?

Eu tenho a impressão que nós caímos numa cilada. Inicialmente, acho que foi até o próprio ministro Peluso como relator que consagrou a tese, que era questionada no Supremo Tribunal Federal, a propósito da necessidade de que houvesse trânsito em julgado para mandar alguém ao presídio. Essa foi a tese por ele sustentada em razão dos múltiplos abusos que se perpetravam e deixou alguma válvula de escape para aqueles casos em que, com a sentença, já se justificasse a prisão provisória nos casos de crimes organizados, casos de continuidade delitiva etc. Mas foi ele mesmo que defendeu essa tese. O Tribunal a sufragou. Creio que por uma ampla maioria. Depois se viu que isso estava se resultanExeceu;do no final num quadro de impunidade porque as pessoas recorrem e passam a recorrer abusivamente agora para o STJ e depois para o Supremo Tribunal Federal. Eu tenho a impressão de que a resposta pode se dar no próprio plano legislativo e até no plano jurisprudencial.
Como assim?

Podemos tanto dizer que a partir do 2º grau já pode ocorrer a prisão se o juiz assim avaliar, se o Tribunal assim avaliar. Vamos estar consoantes com todas as declarações de direito, inclusive com a Convenção Interamericana de Direitos. Portanto, não acredito que haja aqui tantos problemas.
Mas não é necessário fazer uma emenda constitucional para…

Não. Não é necessário fazer uma emenda. E aquela emenda, que foi chamada “PEC Peluso” tinha ainda um problema porque ela dizia que quase todas as decisões — e aí não era só na esfera penal, mas também na esfera civil em geral — já teriam força executória com a decisão de 2º grau. E aí nós teríamos uma grande insegurança por quê? Porque as decisões do Supremo e do STJ virariam algo lítero-poético-recreativo, não é? Com todos problemas que nós dizemos. Acabou se atirando no que vira e acertando no que não vira. Em suma, não foi uma boa proposta. Eu acho que vale como metáfora. Quer dizer, nós precisamos melhorar a justiça criminal. E eu acho que nesse ponto a mensagem da PEC Peluso é interessante. Acho que isso tem que ser prioridade mesmo.
Mas teria que ser feito no âmbito do próprio Judiciário?
No âmbito do próprio Judiciário e também… Quer dizer, pode-se fazer uma revisão ou assentar isso em regras de processo penal. Não é preciso, portanto, uma emenda constitucional para isso.
Mas para que um leigo entenda, seria necessário que talvez uma súmula vinculante, alguma decisão…

Dizer que em caso tais, em 2º grau e com a condenação já se cumpra [a pena]. Ontem, por exemplo, nós tivemos aquele caso de um deputado de Rondônia [Natan Donadon] já nos segundos embargos de declaração. Tecnicamente, não houve trânsito em julgado, mas o Tribunal disse: “Agora já é abusivo.

Vamos considerar, portanto, fictamente que já transitou em julgado.” Manda-se executar a decisão. Não é mais passível de recursos. Então, talvez nós tenhamos que ter algum tipo de referencial a partir do 2º grau e deixar o Tribunal avaliar se é o caso de fazer-se logo o decreto de prisão.

O sr. mencionou o caso do deputado Natan Donadon, do PMDB de Rondônia. Ele foi condenado já no Supremo Tribunal Federal no ano de 2010 a 13 anos de reclusão por formação de quadrilha e peculato.

Em 2010. Nós estamos em 2013. Nesse caso o sr. acha que o Supremo poderia, talvez, antes ter tomado a decisão que tomou nesta semana?

Isso é um aprendizado, Fernando. Nós agora que estamos tendo a oportunidade de chegar ao fim de um julgamento penal. Porque antes — como se sabe, embora tenha se alardeado que o Supremo não julgava, não gostava — na verdade, não havia licença para que os processos fossem submetidos, uma vez que os processos dependiam de licenças da Câmara ou do Senado. Nós estamos nesse aprendizado. E o Tribunal é muito cioso na observância — e tem que ser — dos direitos e garantias individuais porque a decisão reflete não somente no caso, mas também tem um efeito irradiador para todo o sistema jurídico, jurídico-penal, se for o caso. Mas esse é um bom exemplo. Eu tenho a impressão que no futuro nós teremos que, decidindo um caso em matéria criminal, teremos que expedir logo a ordem de prisão e não ficarmos a esperar embargos de declaração, que saiam embargos infringentes ou embargos para Deus. Em suma, não faz sentido.“

Estou com o ministro. Não é de hoje, venho apontando aqui no Blog o absurdo das quatro instâncias criminais no Brasil, responsáveis por “absolvições” por decurso de tempo, isto é, em virtude de prescrição:
a) juiz de Direito, juiz federal ou juiz eleitoral — primeiro grau
b) Tribunal de Justiça (TJ), Tribunal Regional Federal (TRF) ou Tribunal Regional Eleitoral (TRE) — segundo grau
c) Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — instância especial
d) Supremo Tribunal Federal (STF) — instância extraordinária

Um caso recente reacendeu a polêmica. Em 2010, o deputado federal Natan Donadon foi condenado pelo STF a 13 anos, 10 meses e 4 dias de reclusão. Contudo, o acórdão só transitou em julgado quase três anos depois, mesmo se tratando de ação penal originária, julgada em instância única (AP 396/RO).

O trânsito da decisão tardou porque o réu opôs sucessivos embargos de declaração, para impedir a execução da pena. Disso resultou a determinação, pelo STF, da imediata expedição do mandado de prisão, independentemente da publicação do acórdão nos segundos embargos (aqui).


Se a garantia constitucional, que reflete previsões do Pacto de São José da Costa Rica (1969) e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), é a do duplo grau de jurisdição, é desnecessário aguardar o julgamento pelo STJ ou pelo STF para dar-se início à execução da sentença condenatória confirmada em segunda instância. Cuidei deste tema em cinco ocasiões:

Arre égua! Que demora (out/2010)
O abominável caso do Sr. Neves (out/2010)
Inocente até prova em contrário (dez/2010)
E assim passaram 10 anozzzzzz (maio/2011)
Dois é bom, três é demais (jun/2011)

A tese da execução penal “antecipada”, isto é, a partir do trânsito nas instâncias ordinárias (TJ, TRF ou TRE) era viável à luz da Constituição e das leis processuais, mas deixou de sê-lo assim até que o STF apreciou o HC 84.078/MG, (STF, Pleno, rel. min. Eros Grau, j. em 05/fev/2009). Em tal caso, a Suprema Corte brasileira proibiu a execução penal provisória pro societate (contra o réu) antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória em último grau, sob o fundamento de que prática diversa ofenderia a presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF). Eis a ementa do leading case:
HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos “crimes hediondos” exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: “Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente”. 6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados — não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subseqüentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. 7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional [art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52], o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso porque — disse o relator — “a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição”. Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida (STF, HC 84078/MG, rel. min. Eros Grau, j. em 05/02/2009).

Significa dizer que, hoje em dia, somente após a decisão final do STF (em matéria constitucional) ou do STJ (em matéria infraconstitucional) pode ser exigido o cumprimento da sanção penal, sem prejuízo, é claro, da prisão cautelar (arts. 312 e 313 do CPP). Na ocasião, ficaram vencidos os ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie. Portanto, a decisão foi por 7×4, o que revela que o tema não era pacífico em 2009, tanto é que um dos ministros que integrou a maioria, Cezar Peluso, logo mudou de ideia ao sugerir uma solução para esse dilema: a PEC 15/2011, proposta pelo senador Ricardo Ferraço, sob a inspiração do agora ex-ministro.
Outra mudança de posicionamento parece ocorrer agora com o ministro Gilmar Mendes, que também integrou a maioria que deferiu o HC 84.078/MG em 2009. Disse ele: “Podemos tanto dizer que a partir do 2º grau já pode ocorrer a prisão se o juiz assim avaliar, se o Tribunal assim avaliar. Vamos estar consoantes com todas as declarações de direito, inclusive com a Convenção Interamericana de

Direitos“. Continuou o ministro: “Então, talvez nós tenhamos que ter algum tipo de referencial a partir do 2º grau e deixar o Tribunal avaliar se é o caso de fazer-se logo o decreto de prisão”. E arrematou: “Eu tenho a impressão que no futuro nós teremos que, decidindo um caso em matéria criminal, teremos que expedir logo a ordem de prisão e não ficarmos a esperar embargos de declaração, que saiam embargos infringentes ou embargos para Deus. Em suma, não faz sentido”.


Evidentemente, após duas decisões condenatórias, em primeira e em segunda instância, presunção de inocência já não há. Pelo menos, não a mesma que havia antes do primeiro pronunciamento judicial.

Não se pode equiparar a situação de um simples acusado com a daquele que já foi julgado por dois órgãos judiciários que o consideraram culpado. É assim em várias democracias. O devido processo legal terá sido observado sempre que se permitir ao réu o acesso ao duplo grau, mediante a interposição de recurso ordinário (no nosso caso, a apelação criminal ou recurso equivalente) a um tribunal de segunda instância, ou nos demais casos a um órgão revisional previsto na CF, nas leis processuais ou nos regimentos internos. Os recursos extraordinário (RE) e especial (RESP) são, isto mesmo, recursos excepcionais, uma franquia do sistema, um plus, e não garantias fundamentais no sentido previsto nas Cartas internacionais de direitos humanos. Nestas, só se assegura o duplo grau.

Ademais, hoje o RE só é admitido se demonstrada sua repercussão geral, o que reforça sua nota de excepcionalidade, e menos seu caráter de direito subjetivo público. Não tendo, em regra, efeito suspensivo, tais recursos anômalos não podem impedir a execução da pena, porque neles é inviável o reexame da prova. Ou seja, os temas da autoria e da materialidade, quem fez e o que fez, já terão sido definitivamente decididos nas instâncias ordinárias, as únicas competentes para o exame do fato.


A sabedoria estava, então, com o artigo 637 do CPP: “O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença”. Tal regra, agora septuagenária — mas inexequível por decisão do STF no referido HC 84.078/MG — foi reproduzida no art. 27, § 2º, da Lei 8.038/1990, segundo a qual “Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo“. Tal dispositivo é temporalmente posterior ao próprio art. 637 do CPP e à LEP, invocados no voto condutor do min. Eros Grau, e plenamente compatível com a Constituição e com as convenções de direitos humanos.
Ayres Britto, Celso de Mello, Cezar Peluso, Eros Grau, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Ricardo

Lewandowski formaram a maioria de 2009. Os ministros Cármen Lúcia, Ellen Gracie, Joaquim Barbosa e Menezes Direito compuseram a minoria. Dos 7 que integravam o grupo majoritário, deixaram a Corte os ministros Ayres Britto, Cezar Peluso e Eros Grau. E Gilmar Mendes aparenta ter mudado de posição. Esse novo quadro recoloca na berlinda a questão da constitucionalidade da Súmula 267 do STJ:

“A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão.”

Tentando interpretar o que disse o ministro, os recursos especial e extraordinário em regra não devem ter efeito suspensivo. Cabe ao Tribunal recursal, em cada caso concreto, definir se haverá ou não a execução imediata da pena confirmada no duplo grau, independentemente da interposição, admissão e subida desses recursos excepcionais. Os casos abusivos seriam corrigidos por meio de habeas corpus, ou mediante a concessão de efeito suspensivo ao RE ou ao RESP, em ação cautelar.

Creio ter sido este o caminho apontado pelo ministro Gilmar Mendes. Como “para bom entendedor, pingo é letra”, cabe ao Ministério Público requerer doravante o cumprimento imediato das decisões penais condenatórias confirmadas em segundo grau pelos Tribunais de Justiça, pelas Cortes Regionais

Federais ou pelos Tribunais Eleitorais. Obviamente, somente quando houver observância do direito ao duplo grau tal solução se legitima. Hora destas um caso chega ao STF e a Corte terá condições de manter ou revisar o entendimento que adotou, por 7 votos a 4, no HC 84.078/MG. Afinal, dos 7 ministros que concederam a ordem em 2009, apenas 4  permanecem na Corte e um destes é Gilmar Mendes.

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