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O Coaf de um paraíso tropical

A decisão judicial que pôs o Coaf em recesso

25/09/2019 às 11h38, Por Maylla Nunes

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1. Alguns cenários

Esqueça as ações contra a corrupção. Pense em casos de narcotráfico, tráfico de pessoas, pistolagem, lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.

Pense num membro do PCC que oculta parte dos ganhos ilícitos do tráfico de drogas e os transforma em bens de alto valor. Ou em mais drogas e armamentos, necessários para aumentar seu mercado, derrotar adversários ou reagir a ações da Polícia.

Imagine uma organização narcoterrorista ou uma máfia estrangeira que opere no Brasil o tráfico transatlântico de cocaína. Dezenas de toneladas são enviadas para fora da América do Sul a cada ano.

Agora tais indivíduos ganharão tempo e poderão escapar da ação da justiça criminal, muito mais facilmente. Poderão ficar invisíveis ao Ministério Público e à Polícia.

Pense num coiote que explora migrantes desesperados ou num traficante de seres humanos que escraviza mulheres e as explora sexualmente em países europeus. Tais pessoas terão mais prazo para ocultar o dinheiro sujo que adquiriram e destruir as provas de seus crimes. Poderão tornar-se indetectáveis.

Pense em um terrorista que planeja praticar um atentado em algum lugar do planeta e cuja atividade é financiada por algum cúmplice no Brasil. Será mais difícil rastreá-los, julgá-los e prendê-los.

São cenários possíveis diante da decisão do presidente do STF que praticamente paralisou as comunicações entre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e os órgãos de persecução penal brasileiros.

2. A decisão judicial que pôs o COAF em recesso

No Recurso Extraordinário 1.055.941, com repercussão geral (Tema 990), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli:

“(…) determinou a suspensão nacional de todos os processos judiciais em andamento no país que versem sobre o compartilhamento, sem autorização judicial e para fins penais, de dados fiscais e bancários de contribuintes. (…) Pela decisão do ministro Dias Toffoli, ficam ainda suspensos, em todo o território nacional, inquéritos e procedimentos de investigação criminal atinentes aos Ministérios Públicos Federal e estaduais que foram instaurados sem a supervisão do Poder Judiciário e de sua prévia autorização sobre os dados compartilhados pelos órgãos de fiscalização e controle (Fisco, Coaf e Bacen)”.

Tal decisão, proferida durante o recesso de julho de 2019, tem para o sistema de justiça criminal efeito semelhante ao do fechamento dos serviços de proteção ao crédito para o mercado. Comerciantes e empresários precisam ser continuamente alertados se este ou aquele cliente ou consumidor é confiável e bom pagador, se costuma emitir cheques sem fundos, se tem contratos de crédito em situação de inadimplência, se abriu recuperação judicial ou se tem anotações de estelionato. Entidades como o SPC e a SERASA operam em conjunto com bancos e outras instituições financeiras para garantir que a operação ou o negócio que se pretende concluir é de baixo ou elevado risco. As informações que tais entidades recebem do sistema financeiro, de bancos públicos e privados e de outras fontes, não são quebra de sigilo bancário; são alertas! Têm um importante propósito para o bom funcionamento da economia. Trazem segurança jurídica e maior previsibilidade. Servem para que o comerciante ou o banco decida concretizar ou paralisar um negócio jurídico. Essa é uma rotina essencial ao funcionamento da economia e é uma prática muito antiga que não viola a privacidade dos cidadãos. Não há ordem judicial prévia para que um pequeno comerciante no interior do Tocantins ou um grande empresário de Porto Alegre tenham acesso a tais dados de risco de crédito dos seus potenciais clientes.

O COAF, o Banco Central e a Receita Federal realizam papel de prevenção ao emitirem outros tipos de alertas, dentro de suas competências, todas previstas em lei. Esses informes contêm narrativas de infrações tributárias (autuações por sonegação fiscal, por exemplo), delitos contra o Sistema Financeiro Nacional (notícias de crimes de colarinho branco, como gestão fraudulenta de instituição financeira) e alertas de possível prática de lavagem de dinheiro, oriundo de crimes graves.

Deste último tipo são os relatórios de inteligência financeira (RIF), documentos preparados sobretudo pelo COAF e que contêm pistas (e não provas) sobre movimentação financeira atípica (incomum) de uma determinada pessoa física ou jurídica. De posse de tais dados – que são muito preliminares, têm natureza de inteligência e que, em regra, não servem para fins probatórios –, o Ministério Público é incapaz de processar quem quer que seja. Os RIFs não são prova; são pistas que devem ser seguidas pela Polícia ou pelo MP para que se possa confirmar se houve ou não um crime de lavagem de dinheiro e um delito antecedente que tenha produzido esse dinheiro sujo.

Ao receberem esse sinal de alerta, aviso ou pista, o MP ou a Policia podem realizar uma série de diligências investigativas que não dependem de autorização judicial, como tomar depoimentos, obter dados públicos e privados em bases de dados abertas, executar investigações de campo etc. Se se tornam necessárias quebras de sigilo fiscal ou bancário, buscas e apreensões, interceptação de comunicações ou ordens de prisão, aí então deve haver intervenção obrigatória de um juiz. Nestes últimos casos, há reserva constitucional ou legal expressa. A investigação só poderá prosseguir com tais medidas, se autorizadas pelo juiz competente.

A decisão do ministro Dias Toffoli é absurda pela extensão que toma, sendo capaz de desmontar uma das mais importantes engrenagens do sistema antitalavagem de dinheiro. Tal medida radical, embora monocrática, frise-se, aumenta a possibilidade de contaminação de nossa economia com dinheiro sujo e, também por tal razão, coloca todos os brasileiros em maior risco, diante dos graves índices de criminalidade violenta, que se retroalimenta dos mecanismos de lavagem de dinheiro.

O COAF e os sujeitos obrigados do mercado funcionam como um semáforo no trânsito financeiro. Com essa paralisia, tornada nacional pela decisão do presidente do STF, mais dinheiro sujo poderá entrar e circular na economia formal e informal. Teremos mais armas ilegais e mais drogas nas ruas; teremos mais ocultação patrimonial, impedindo o confisco de bens oriundos de crimes; mais criminosos poderão esconder seu dinheiro sujo e dar sumiço a provas; todo o trabalho de milhares de policiais e membros do MP terá sido obstado, graças apenas a uma canetada, sem oitiva de qualquer das partes interessadas, órgãos da União, instituições do Estado brasileiro e entes das unidades federadas. Enquanto essa decisão viger, o crime compensará ainda mais, porque é exatamente sobre o capital para financiamento da delinquência ou sobre o seu lucro que a engrenagem reveladora, mantida pelas Unidades de Inteligência Financeira (UIFs), opera melhor.

3. Os RIFs do COAF

Essencialmente, um relatório de inteligência financeira (RIF) não prova nada. Embora possa servir para deflagrar uma apuração preliminar, é insuficiente para acusar ou condenar um suspeito. Serve apenas como alerta de que pode haver (e nem sempre haverá) algo errado no comportamento econômico relatado dentro do sistema antilavagem de dinheiro, que é formado por órgãos públicos (de controle) e privados (mercado regulado).

Diariamente bancos, corretoras de valores, seguradoras, joalheiras e outros agentes econômicos, cumprindo regras de compliance (conformidade), mantêm atualizados os cadastros de seus clientes, registram detalhadamente operações desses mesmos clientes, analisam tais transações e as reportam ao Banco Central, à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e ao COAF, se houver algo incomum, ou seja, algo que se encaixe nas tipologias (padrões ou modelos) clássicos ou conhecidos de lavagem de dinheiro.

Se padrões pouco usuais na lógica econômica ou financeira legítima estiverem presentes, pode haver algo errado (talvez um crime), e os agentes de mercado são obrigados por lei a relatá-los aos controladores, como o Banco Central, a CVM e o COAF, devendo manter sigilo em relação ao próprio cliente. Esta é a proibição de tipping off, para que a interação entre o sistema de prevenção e compliance seja funcional e efetivo, já partir do momento que a informação chega a um órgão de controle ou ao próprio COAF. Este, por sua vez, examina tais comunicações de operações suspeitas, e, caso também identifique práticas atípicas (incomuns) ou sinais de alerta (red flags), prepara um relatório de inteligência financeira (RIF) e o encaminha à Polícia e ao Ministério Público. Esta é uma rotina que existe há mais de duas décadas no Brasil, desde a criação do COAF em 1998. É também assim no exterior, pelo menos desde 1990, quando foi instituído o Financial Crimes Enforcement Network (FINCEN), nos Estados Unidos, justamente para melhorar o acesso dos órgãos de persecução penal a inteligência sobre crimes financeiros.

Por isso que a decisão do presidente Dias Toffoli é equivocada inclusive do ponto de vista histórico. Tal como o FINCEN, unidades como o COAF destinam-se a prover inteligência (pistas, nortes, informação, conhecimento) aos órgãos estatais de investigação. Para isto foram criadas as UIFs.

A atividade do COAF não é investigativa. É de cooperação com os órgãos que de fato fazem a investigação criminal, o MP e a Polícia, nos Estados e na União. A cooperação também se faz com outros órgãos de controle, a exemplo do Banco Central, da Receita Federal, da Comissão de Valores Mobiliários e da Controladoria Geral da União (CGU); e com os chamados “sujeitos obrigados”, agentes do mercado que têm por lei o dever de reportar a prática de uma operação comercial ou financeira que pareça suspeita. Essa interação se apresenta como anticorpos no organismo econômico, capazes de identificar uma infecção e dar os sinais (sintomas) para que outros órgãos, agora do sistema de justiça, façam diagnóstico mais preciso e apliquem o “antibiótico” juridico necessário.

Para a prevenção e a repressão da lavagem de dinheiro sujo oriundo de infrações penais graves, o MP e as polícias sempre receberam dados diretamente do COAF, que, como visto é uma unidade de inteligência financeira (UIF). Existem várias no mundo. Cada país deve ter a sua. A nossa UIF foi constituída pelo art. 14 da Lei 9.613/1998. Batizada de Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), a UIF tem a finalidade de disciplinar a política brasileira antilavagem e contra o financiamento do terrorismo, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas na Lei de Lavagem de Dinheiro.

4. O que diz a lei brasileira

O art. 15 da Lei 9.613/1998, vigente desde 3 de março daquele ano, não deixa dúvidas sobre a possibilidade de relação direta entre o COAF e os órgãos de investigação, persecução e controle, como a CGU, a Receita Federal e o TCU. Afinal, é precisamente para isto que o órgão existe:

Art. 15. O COAF comunicará às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes previstos nesta Lei, de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito.

A UIF não tem opção, segundo a lei brasileira. Não se usa um “poderá”. O verbo é outro. Uma vez identificados sintomas de uma possível “infecção” no sistema financeiro, o COAF deve alertar o sistema de defesa (os órgãos de persecução e congêneres do law enforcement), para que aqueles sinais sejam examinados em busca de uma enfermidade, que, nessa alegoria, corresponde ao crime de lavagem de dinheiro e às condutas antecedentes.

Para isto, segundo o § 2º do art. 14 da Lei 9.613/1998, o COAF deve dispor de mecanismos de cooperação e de troca de informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate à ocultação ou dissimulação de bens, direitos e valores. Um desses mecanismos é o RIF, que é instrumento de inteligência, e não de prova.

Não se pode esquecer que o art. 1º, § 3º, IV, da Lei Complementar 105/2001 determina, precipuamente ao Banco Central e à CVM, que haverá “a comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa”.

De fato, com vistas à proteção da economia, do Sistema Financeiro e do mercado em geral, tendo em mira a legitimidade das operações neles praticadas, e a fim de garantir a funcionalidade dos sistemas de sinalização de risco, a Lei Complementar 105/2001 não considera quebra de sigilo bancário algumas práticas corriqueiras, como a atuação de serviços de proteção ao crédito (art. 1º, §3º, inciso II) e o mecanismo de compliance antilavagem de dinheiro de que se ocupam o COAF, o BACEN, a CVM etc (inciso IV). Veja:

“§3º. Não constitui violação do dever de sigilo:

(…)

II – o fornecimento de informações constantes de cadastro de emitentes de cheques sem provisão de fundos e de devedores inadimplentes, a entidades de proteção ao crédito, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil;

(…)

IV – a comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa;

VI – a prestação de informações nos termos e condições estabelecidos nos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 9º desta Lei Complementar.”

Por sua vez, o art. 9º da LC 105/2011 diz que, se no exercício de suas atribuições, o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários verificarem a ocorrência de crime definido em lei como de ação pública, ou indícios da prática de tais crimes, informarão ao Ministério Público, juntando à comunicação os documentos necessários à apuração ou comprovação dos fatos. Que dúvida de interpretação pode haver diante de um dispositivo tão claro? É o que se passa também com o COAF no que diz respeito a seus RIFs.

5. Qual tem sido a posição dos tribunais?

Não é só a lei que permite a disseminação direta de inteligência entre o COAF e os órgãos de persecução criminal. Também a jurisprudência é conhecida e clara, como se vê no RMS 52.677/SP (STJ, 5ª Turma, rel. min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. em 27/04/2017), no RHC 349.945/PE (STJ, 6ª Turma, rel. para o acórdão min. Rogério Schietti, j. em 6/12/2016) e no RE 1.066.844/SP AgR (STF, 1ª Turma, rel. min. Alexandre de Moraes, j. em 12/12/2017), este do próprio STF. Este recurso, relatado por um dos eminentes ministros da Corte, foi rejeitado há menos de dois anos:

AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SIGILO BANCÁRIO. SOLICITAÇÃO DE INFORMAÇÕES PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DIRETAMENTE AO CONSELHO DE CONTROLE DE ATIVIDADES FINANCEIRAS – COAF PARA INSTRUIR PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL. ALEGADA NECESSIDADE DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. AS INSTÂNCIAS ANTECEDENTES ASSENTARAM A INEXISTÊNCIA DE ENVIO DE DADOS PROTEGIDOS POR SIGILO. SÚMULA 279 DO STF. MERA SOLICITAÇÃO DE PROVIDÊNCIAS INVESTIGATIVAS. ATIVIDADE COMPATÍVEL COM AS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DESPROPORCIONALIDADE NO PEDIDO DE INFORMAÇÕES COMO PRIMEIRA MEDIDA. SÚMULA 279 DO STF. 1. Ao examinar o Tema 225 da repercussão geral, o Plenário do Supremo Tribunal Federal fixou a tese de que “O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal”. Há reiteradas decisões desta Corte estendendo a tese fixada no julgamento do RE 601.314-RG aos procedimentos criminais.

2. Não há dúvida de que o desrespeito ao sigilo constitucionalmente protegido acarretaria violação às diversas garantias constitucionais; todavia, a inviolabilidade dos sigilos bancário e fiscal não é absoluta, podendo ser afastada quando eles estiverem sendo utilizados para ocultar a prática de atividades ilícitas.

3. A alegação recursal é de impossibilidade de que o Ministério Público requisite diretamente dados ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), sem o amparo de autorização judicial. As instâncias antecedentes assentaram que não houve o envio ao Ministério Público de dados protegidos pelo sigilo bancário, de modo que, para se acolher as alegações recursais, neste particular, seria inevitável o reexame de provas, procedimento vedado pela Súmula 279 do STF.

4. A mera solicitação de providências investigativas é atividade compatível com as atribuições constitucionais do Ministério Público. Se a legislação de regência impositivamente determina que o COAF “comunicará às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes previstos nesta Lei, de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito” (art. 15 da Lei 9.613/1998), seria contraditório impedir o Ministério Público de solicitar ao COAF informações por esses mesmos motivos. 5. A alegação de desproporcionalidade, por ter sido o pedido de informações ao COAF a primeira medida adotada pelo Ministério Público, é tema afeto ao contexto fático-probatório destes autos, o que faz incidir, também neste tópico, o óbice da já mencionada Súmula 279 do STF. 6. Agravo interno a que se nega provimento.(STF, 1ª Turma, RE 1.066.844 AgR, relator Min. Alexandre de Moraes, julgado em 12/12/2017).

O tema do acesso direito do Fisco a dados bancários, aliás, já havia sido objeto das ADI 2859, 2390, 2386 e 239, julgadas pelo plenário do STF em 24 de fevereiro de 2016, tendo o próprio min. Dias Toffoli como ministro relator.

Na ocasião, o então presidente do STF, min. Ricardo Lewandowski, modificou o entendimento que adotara em 2010, no julgamento do RE 389808, quando o STF entendeu que o acesso ao sigilo bancário dependia de prévia autorização judicial.

“Tendo em conta os intensos, sólidos e profundos debates que ocorreram nas três sessões em que a matéria foi debatida, me convenci de que estava na senda errada, não apenas pelos argumentos veiculados por aqueles que adotaram a posição vencedora, mas sobretudo porque, de lá pra cá, o mundo evoluiu e ficou evidenciada a efetiva necessidade de repressão aos crimes como narcotráfico, lavagem de dinheiro e terrorismo, delitos que exigem uma ação mais eficaz do Estado, que precisa ter instrumentos para acessar o sigilo para evitar ações ilícitas”.

Em 2016, o STJ já havia decidido no mesmo sentido. Registro excertos da ementa do RHC 349.945/PE, que teve como relator o sempre preciso min. Rogério Schietti:

“5. Para desincumbir-se de suas funções, fez-se necessário permitir ao COAF o acesso a dados detalhados das transações financeiras das pessoas (jurídicas e naturais), o que ocorreu com a aprovação da Lei Complementar n. 105/2001, que desobrigou o órgão de postular judicialmente o acesso a todos os dados fiscais e bancários, sendo dotado da prerrogativa de analisar, de modo compartilhado, informações financeiras integrais de quaisquer pessoas participantes de transações financeiras consideradas atípicas pelo Banco Central, pela CVM e por demais órgãos de fiscalização. Esse compartilhamento, com o julgamento da ADI n. 2.859/DF, foi considerado constitucional pela Suprema Corte, resguardando-se, contudo, a publicização de tais dados, inclusive para uso em eventual persecução penal, que ainda permanece sob reserva absoluta de jurisdição.

(…)

8. A compatibilização entre a manutenção do sigilo financeiro, somente inoponível aos órgãos administrativos de controle, e a produção de relatório baseado em dados protegidos pelo sigilo implica, inter alia, a conclusão de que o conhecimento integral dos dados que subsidiaram a produção do relatório (da comunicação feita à autoridade competente) depende de autorização judicial. Isso equivale a dizer que a comunicação feita à autoridade policial ou ao Ministério Público não pode transbordar o limite da garantia fundamental ao sigilo, a implicar que a obtenção e o uso, para fins de investigação criminal, dos dados que subsidiaram o relatório fornecido pelo COAF dependem de autorização judicial.

9. É inafastável a conclusão de que o relatório produzido pelo COAF subsidia e justifica eventual pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal, porquanto os dados que lhe subjazem são protegidos pelo sigilo, mostrando-se incongruente raciocínio que exija, para justificar a medida invasiva, outros elementos de prova, seja porque o relatório é construído com base em dados altamente confiáveis, precisos e, sobretudo, decorrentes de esforços conjuntos de inúmeras instituições de controle, seja porque a prática de crimes corporativos dificilmente é compartilhada com testemunhas ou avaliada por simples constatação de sinais exteriores de incompatibilidade patrimonial ou de outros rastros ilícitos cognoscíveis por investigação convencional precedida da instauração de inquérito policial. (STJ, 6ª Turma, RHC 349.945/PE, rel. para o acórdão min. Rogério Schietti, j. em 6/12/2016).

6. Os impactos internacionais da decisão monocrática do presidente do STF

Em 2018, os sujeitos obrigados dos setores regulados fizeram mais de 330 mil comunicações de operações financeiras suspeitas sobre pessoas físicas ou jurídicas que operaram no Brasil. A partir daí, naquele ano, o COAF realizou quase 11 mil difusões para órgãos brasileiros e estrangeiros, tendo como base mais de 7 mil relatórios de inteligência financeira.

O Judiciário teria condições de responder rapidamente a dezenas de milhares de pedidos de quebra de sigilo bancário todos os anos? É esse o modelo vigente nos países onde o sistema antilavagem e contra o financiamento do terrorismo surgiu e se desenvolveu? No modelo atual, há violação de algum direito individual? A resposta é não.

Informações diretamente transmitidas pelo COAF ou repassadas a autoridades competentes, a pedido, têm sido fundamentais para o sucesso da luta contra o crime, com absoluto respeito ao devido processo legal. Policiais, membros do Ministério Público e juízes saberão citar milhares de processos beneficiados por informação útil do COAF, seja para apontar suspeitos, seja para localizar patrimônio oculto ou em ocultação. O COAF tem facilitado continuamente o cumprimento da lição de que se deve seguir o dinheiro. Cui prodest, diriam os romanos. Follow the money, disseram os americanos.

O sistema brasileiro de prevenção e repressão à lavagem de dinheiro funciona mediante tal interação direta há mais de 21 anos e segue o modelo mundial, previsto em boas práticas internacionais e nas 40 Recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), um organismo internacional criado em 1989 pelo G7 e também conhecido como Financial Action Task Force (FATF). Atualmente o GAFI tem 37 países membros. Dois organismos, a Comissão Europeia e o Conselho de Cooperação do Golfo, também o integram.

Por ser parte do GAFI, o Brasil pode sofrer pressões desse organismo por falta de conformidade com suas recomendações, o que poderia a médio prazo nos inserir na condição de país non compliant, potencial candidato a ingressar em listas sujas (watchlist ou gray list) ou sujeito à sanção mais grave de exclusão do organismo.

Para estimular o cumprimento de suas recomendações, entes multilaterais valem-se rotineiramente do power of embarrassment, cada vez mais presente nas relações internacionais. A política de naming and shaming tem servido para apontar países em listas ou declarações públicas e embaraçá-los perante seus pares. Esse tipo de reprimenda – que visa a expor, constranger e pressionar os países, tem por fim provocar a correção da inadimplência estatal – pode ter relevância na aferição dos riscos para investimentos em dado país e para a checagem da credibilidade de determinados mercados na cena internacional. Economias inseguras não atraem negócios.

Atualmente, o FATF classifica jurisdições como de alto risco ou sob monitoramento especial. São elas: as Bahamas, Botsuana, Camboja, Coréia do Norte, Etiópia, Gana, Iêmen, Irã, Paquistão, Panamá, Sri Lanka, Síria, Trinidad e Tobago, e Tunísia. As Bahamas, umas das jurisdições sob acompanhamento, apresenta sérias deficiências em seus sistema AML/CFT, umas das quais diz respeito à qualidade dos relatórios de sua UIF, endereçados aos órgãos nacionais de persecução criminal.

Botsuana também está sob acompanhamento do GAFI por problemas estruturais em seu sistema antilavagem de dinheiro. O organismo de monitoramento recomendou ao governo em Gaborone o aperfeiçoamento da análise e disseminação de inteligência financeira pela UIF local e a melhoria do uso de tais informes pelas autoridades de persecução criminal.

Ao tempo em que o GAFI mantinha sua lista de países e territórios não cooperantes (Non-Cooperative Countries and Territories), que foi descontinuada em 2006, havia 25 critérios para a classificação de jurisdições. Um deles, o de número 8, dizia respeito a exigências excessivas de sigilo bancário em relação às instituições financeiras. Tal fator era mensurado para a inclusão de certo país em lista suja.

Pois bem, apesar do desenvolvimento de sua política AML/CFT desde 1998, em fevereiro de 2019, o Brasil levou um puxão de orelhas do GAFI. O Brasil estava na berlinda na sessão plenária e sofria escrutínio pelo descumprimento reiterado dos standards mínimos do GAFI sobre financiamento do terrorismo. Com a entrada em vigor da Lei 13.810/2019 e do Decreto 9.825/2019, já não existe o risco de sanção ao Brasil por falha na implementação de recomendações do GAFI e de resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, relativas ao bloqueio automático de bens de terroristas e organizações terroristas.

Contudo, se não revertida a tempo, a decisão do min. Dias Toffoli seguramente será debatida pelo foro de unidades de inteligência financeira (o COAF o integra), na sessão de outubro de 2019, pois tal provimento judicial, pela sua amplitude, tem potencial de desmontar o mecanismo de cooperação entre o COAF e UIFs estrangeiras, na luta contra o financiamento do terrorismo, a lavagem de dinheiro e os crimes antecedentes. É fácil entender o porquê: na principiologia da cooperação internacional, um órgão brasileiro só pode transmitir ao exterior as informações que pode fornecer às autoridades locais. Se não pode entregá-las diretamente ao MP brasileiro, como poderia transmiti-las diretamente a órgãos estrangeiros para uso em processos penais noutras jurisdições? Essa ideia de paridade informa as relações internacionais também neste campo.

Em persistindo a decisão, podemos também ser “repreendidos” pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), em função da Convenção Anticorrupção, concluída em 1997 e promulgada pelo Brasil pelo Decreto 3.678/2000. Recentemente, o Working Group on Bribery (WGB), da OCDE, manifestou sua preocupação com a possível aprovação da nova lei brasileira de abuso de autoridade (PL 27/2017), que poderia servir para intimidar membros do Ministério Público e juízes em atividades anticorrupção e limitar sua independência:

“The Working Group is seriously concerned that, if approved, this broad definition could serve as a mechanism for corrupt individuals to unfairly attack justice-seeking prosecutors and judges for appropriately doing their jobs and have a significant chilling effect on anti-corruption prosecutions and investigations in Brazil and beyond”.

Mantida a decisão de Dias Toffoli, nos termos em que proferida, não afasto a possibilidade de termos problemas também perante as Nações Unidas, tendo em vista nossos compromissos com o regime convencional antilavagem de dinheiro, anticriminalidade organizada, anticorrupção e antiterrorismo, consubstanciado em tratados universais como os de Mérida (Decreto 5.687/2006), Palermo (Decreto 5.015/2004) e Nova York (Decreto 5.640/2005).

O adequado funcionamento do COAF, sem amarras artificialmente criadas por indesejável ativismo judiciário, interessa aos cidadãos brasileiros e aos cidadãos de outros países. Essa decisão judicial incomum deve ser revista o quanto antes, mediante recurso do próprio Ministério Público, pois sua consolidação debilitará a capacidade do País de identificar autores de crimes graves e de descobrir os bens e o dinheiro que esquemas ilícitos, de indivíduos isolados ou de organizações criminosas, obtêm, ocultam e reintroduzem no ciclo econômico, para viabilizar a prática de mais crimes graves, consumar corrupção e expandir a violência associada a tais delitos. Se o sistema de comunicações de operações suspeitas e de inteligência financeira, que é coordenado pelo COAF, não for ágil e se apartar do padrão mundial, quem ganha são os criminosos, não os cidadãos, sempre usados como desculpa, puramente retórica o mais das vezes, para debilitar a capacidade de reação do Estado a crimes graves.

Democracias consolidadas seguem o modelo de difusão direta e o propagam como boa prática. As mais importantes unidades de inteligência financeira do mundo reúnem-se no Grupo de Egmont. Os Princípios de Egmont sobre compartilhamento de informações entre UIFS são obrigatórios (binding) para seus integrantes, entre os quais o COAF. Os casos de descumprimento de padrões relevantes são examinados para eventuais providências por falta de compliance.

Os Princípios 11, 14, 16 e 24 são diretamente impactados pela decisão de Dias Toffoli. Segundo o Princípio 11, as UIFs devem intercambiar informações de inteligência livremente, de forma espontânea ou a pedido, com base na reciprocidade. Tais unidades devem se empenhar para que possam prestar cooperação mais ampla possível, de forma rápida, construtiva e efetiva.

Pelo Princípio 14, as UIFs devem ser capazes de disseminar às autoridades competentes as informações financeiras de que dispõem e o resultado de suas análises, seja de forma espontânea ou a pedido.

De acordo com o Princípio 16, os órgãos semelhantes ao COAF devem ter competência para atender pedidos de seus congêneres estrangeiros e transmitir-lhes toda e qualquer informação de inteligência que a unidade local poderia obter, se o pedido fosse de origem nacional. Ou seja, se se pode obter e transmitir certos dados no Brasil, a autoridades brasileiras, pode-se obter e transmiti-los a UIFs, no exterior, como informação espontânea ou sob demanda estrangeira.

Logicamente, se as autoridades brasileiras de persecução não podem acessar tais dados diretamente, senão nas condições que Dias Toffoli indicou, autoridades estrangeiras também deverão percorrer o mesmo caminho tortuoso, não previsto na lei brasileira. Isto evidentemente debilita o papel do COAF no cenário externo e o fragiliza entre seus pares, gerando, como efeito deletério, a falta de reciprocidade, que poderá ser invocada em relação ao Brasil, caso precisemos obter dados de inteligência financeira de UIFs estrangeiras, seja via Grupo de Egmont ou por meio dos convênios bilaterais internacionais que regulam a cooperação administrativa direta entre UIFs. Tais convênios podem ser firmados pelo COAF com base no art. 1º, §2º, art. 8º, VI, art. 9º, IX e 16 do Decreto 9.663/2019.

Por fim, deve-se lembrar que o Princípio 24 de Egmont determina que as UIFs não devem vedar nem impor condições indevidamente restritivas ao compartilhamento de informações ou à prestação de assistência internacional. Especificamente, diz a norma, as UIFs não devem recusar pedidos sob o fundamento de que a legislação exige de instituições financeiras e de profissões não financeiras designadas deveres de sigilo ou confidencialidade.

Assim visto o problema, não se pode negar que o impacto externo é sensível, especialmente no momento em que o Brasil segue com sua pretensão de aderir à OCDE, o que interessa à recuperação econômica do País.

No cenário construído por Dias Toffoli, será muito mais difícil prestar cooperação internacional em relação a esses crimes graves, já que se cria uma etapa não prevista em lei no diálogo entre nossa UIF, que é o COAF, e os órgãos de persecução criminal brasileiros. O oitavo Princípio de Alto Nível do G20 para a promoção de transparência quanto à titularidade de patrimônios ou de pessoas jurídicas assevera que os Estados membros do G20 devem garantir que suas autoridades competentes possam cooperar, interna e internacionalmente, de forma eficiente e rápida.

Como visto, levada a decisão à sua última consequência, o COAF tampouco poderá trocar inteligência financeira diretamente com as UIFs estrangeiras, como o Traitement du renseignement et action contre les circuits financiers clandestins (TRACFIN), da França, ou o Money Laundering Reporting Office (MROS), da Suíça, ou o FINCEN, dos EUA, sem autorização judicial. Atualmente, o COAF tem mais de 40 memorandos de entendimento (MoU) com seus congêneres, para cooperação direta internacional, em matéria de inteligência financeira, com países como Bélgica, Portugal, Espanha, Colômbia, México, Rússia, África do azul, Grécia etc.

7. Compromissos específicos do Brasil em AML/CFT

Inegavelmente a decisão judicial do presidente do STF viola recomendações do GAFI é inegável. A Nota Interpretativa da Recomendação 29 cuida da disseminação de comunicações de operações suspeitas no sistema antilavagem de dinheiro e diz:

“4. A UIF deverá ser capaz de disseminar, espontaneamente ou a pedido, as informações e os resultados de suas análises para as autoridades competentes relevantes. Deveriam ser usados canais dedicados, seguros e protegidos para a disseminação.”

A disseminação de dados pelo COAF, com preservação de sigilo, pode ser feita de forma espontânea ou a pedido da autoridade investigativa. Este é justamente o padrão adotado no Brasil:

“Disseminação Espontânea: A UIF deverá ser capaz de disseminar as informações e resultados de suas análises para as autoridades competentes quando houver suspeita de lavagem de dinheiro, crimes antecedentes ou financiamento do terrorismo. Com base na análise da UIF, a disseminação das informações deverá ser seletiva e permitir que as autoridades destinatárias se concentrem em casos/informações relevantes.

Disseminação a pedido: A UIF deverá ser capaz de responder a pedidos de informações de autoridades competentes de acordo com a Recomendação 31. Quando a UIF receber um pedido de uma autoridade competente, a decisão de conduzir a análise e/ou disseminar as informações para as autoridades solicitantes será da própria UIF.”

Note que a decisão de Dias Toffoli se choca com a Recomendação 9 do GAFI, segundo a qual os países devem assegurar que “as leis de sigilo das instituições financeiras não inibam a implementação das Recomendações do GAFI”. Vale dizer, a proteção do sigilo bancário não pode ser uma escusa para não difundir conhecimento ou para não cooperar. Este também é o sentido de dispositivos de tratados internacionais dos quais o Brasil é parte. Não há qualquer violação constitucional no modelo vigente.

O art. 12.6 e o art. 18 da Convenção de Palermo e o art. 46.8 da Convenção de Mérida não deixam dúvidas de que o sigilo bancário não pode ser uma justificativa para impedir a coordenação entre os órgãos de prevenção, controle e persecução criminal, nem a cooperação internacional.

Entre as medidas para combater a lavagem de dinheiro, o art. 7º.1.b da Convenção de Palermo determina que cada Estado Parte deve garantir que “as autoridades responsáveis pela administração, regulamentação, detecção e repressão e outras autoridades responsáveis pelo combate à lavagem de dinheiro (incluindo, quando tal esteja previsto no seu direito interno, as autoridades judiciais), tenham a capacidade de cooperar e trocar informações em âmbito nacional e internacional, em conformidade com as condições prescritas no direito interno, e, para esse fim, considerará a possibilidade de criar um serviço de informação financeira que funcione como centro nacional de coleta, análise e difusão de informação relativa a eventuais atividades de lavagem de dinheiro”. Esse dispositivo corresponde ao art. 14.1.b da Convenção de Mérida.

Este importante tratado anticorrupção prevê em seu art. 40 que cada Estado Parte velará para que, no caso de investigações criminais nacionais de delitos previstos na Convenção, “existam em seu ordenamento jurídico interno mecanismos apropriados para eliminar qualquer obstáculo que possa surgir como conseqüência da aplicação da legislação relativa ao sigilo bancário.” A decisão do ministro Dias Toffoli segue o caminho oposto.

Os casos já julgados no STJ e no próprio STF deram a interpretação adequada ao sistema normativo vigente, protegendo os interesses da sociedade (em prol de comunicações rápidas e úteis) e o direito de privacidade dos cidadãos investigados, pois, na justa medida, exige-se a quebra judicial de sigilo bancário para que o MP ou a Polícia tenham acesso ao detalhamento dos dados mencionados no relatório do COAF, mas após receber o informe preliminar (o RIF), e não antes. Ou seja, o alerta do COAF por meio do RIF está para o MP assim como a anotação negativa de crédito do SERASA está para o empresário ou para o comerciante. É um sinal de que algo está errado. Se o MP quiser obter os dados completos – o detalhamento do RIF e a documentação bancária que o embasa –, deverá pedir autorização judicial.

8. Conclusão

Seja qual for o ponto sujeito a análise, a decisão de Dias Toffoli é:

(i) irrazoável e injustificável, quanto à extensão, porque atinge incontáveis investigações e processos penais em curso, sem razão de ser;

(ii) inoportuna, quanto ao tempo, porque adotada em período de recesso da Corte, mesmo após mais de 21 anos de vigência do sistema atual;

(iii) incongruente, quanto à segurança jurídica, porque contraria a jurisprudência dos tribunais superiores, inclusive do próprio STF;

(iv) ilegal, quanto ao conteúdo, porque não tem base no direito brasileiro, conforme se vê na Lei Complementar 105/2001 e na Lei 9.613/1998; e

(v) também incompatível com a ordem jurídica, pois viola importantes compromissos internacionais do Brasil.

Obviamente, uma medida assim põe o COAF de recesso e torna o Brasil uma praça mais atraente, não para investidores legítimos, e um país mais seguro, mas não para os turistas que nos visitam.

Insegurança jurídica nas questões criminais, pervasividade do sistema financeiro à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo nos fluxos econômicos regulares, falta de governança contra a corrupção em escala local e nacional, estruturas corporativas com compliance deficiente, inobservância dos padrões globais fixados por organismos especializados, e escasso rigor no enforcement das leis penais são fatores que atraem criminosos de todo o tipo e de toda a parte. A extemporânea decisão do presidente da Suprema Corte brasileira não melhora o respeito à Constituição. Na verdade, desprotege todos nós.

[Artigo originalmente publicado no JOTA, em 19 de julho de 2019].

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