Guerra

Brasileiras contam como está sendo viver na Hungria, fronteira com a Ucrânia

Leia com atenção o relato dessas duas jovens que, pela primeira vez em suas vidas, vivem um momento surreal repudiado por todos os povos.

01/03/2022 às 15h01, Por Gabriel Gonçalves

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A sergipana Laís Souza de Carvalho Santana e a paulistana Isabella Monteiro Guerra Silva residem em Budapeste, na Hungria, onde cursam Mestrado em Relações Internacionais na Budapest Business School – Faculty of International Management and Business. A convite do Só Sergipe elas escreveram o texto, que está logo abaixo, e fazem uma reflexão sobre o momento de perplexidade que o mundo vive – e elas de modo particular – em virtude da invasão russa à Ucrânia.

“Para nós, o amanhecer do dia 24 chegou junto das sensações de impotência e fragilidade. O sentimento era de medo. Medo de estarmos próximo de enfrentar uma nova guerra mundial”, escrevem Laís e Isabella que, como mestrandas vivem conflito interno entre seguir a racionalidade analítica ou os “nossos sentimentos”, relatam.

Laís, que já foi entrevistada pelo Só Sergipe, e Isabella acompanham de perto o sofrimento dos ucranianos, pois têm colegas de classe e amigos que temem pela segurança dos parentes na Ucrânia. E, claro, ambas temem pela própria segurança, pois estão a 300 km, em média, da região de conflito.

Leia com atenção o relato dessas duas jovens que, pela primeira vez em suas vidas, vivem um momento surreal repudiado por todos os povos.

A guerra existe e é nossa vizinha

Às 4:50 da manhã do dia 24 de fevereiro de 2022 (horário de Kiev), o presidente russo Vladimir Putin fez um anúncio televisivo comunicando a decisão de realizar uma operação militar especial em solo ucraniano. Pouco tempo depois, às 5:07 da manhã, os primeiros mísseis russos foram lançados em direção a cidades próximas à capital, Kiev, as quais continuam sofrendo com ataques e destruições incessantes.

Enquanto isso, a rotina continua sendo seguida normalmente pela população de Budapeste. À primeira vista, nada mudou, como se o conflito entre Rússia e Ucrânia estivesse acontecendo a milhares de quilômetros ou sendo visto em um filme, quando a triste realidade é que estamos a aproximadamente 300 quilômetros dos eventos que acompanhamos por noticiários do mundo.

Para nós, o amanhecer do dia 24 chegou junto das sensações de impotência e fragilidade. O sentimento era de medo. Medo de estarmos próximos de enfrentar uma nova guerra mundial. Sentimos também angústia e ansiedade em uma busca constante por novas notícias, além da desolação pelo vizinho que sofria, e ainda sofre, um ataque injustificado e incoerente.

Levantar e assistir às aulas não foi fácil. Os pensamentos estavam focados apenas na Ucrânia e em nossos amigos que assistiam em choque ao seu país e lar sendo destruídos. Para nós duas, em particular, existia uma grande urgência de nos comunicarmos com eles e termos a certeza de que os seus familiares estavam seguros, pelo menos por ora.

Ver uma guerra acontecendo em outro continente é doloroso, mas está longe e é mais fácil desviar a atenção para como aproveitar o seu Carnaval. Aqui, assistimos às aulas de mãos dadas com nossos amigos, recebendo atualizações de suas famílias e, a cada momento que um deles saía para atender o telefone, nosso ar faltava enquanto esperávamos por mais notícias.

As mudanças reais na vida diária puderam ser vistas, principalmente, ao entardecer dos últimos dias, quando centenas de pessoas, entre ucranianos residentes de Budapeste, adeptos da causa e integrantes do grupo United for Hungary (Unidos pela Hungria), se reuniram em frente à embaixada russa em protestos contra os eventos recentes enquanto entoavam “Ruszkik haza, ruszkik haza!”, que pode ser traduzido como “Vão para casa, russos!”.

Como estudantes da área de Relações Internacionais, vivemos também em um conflito interno entre seguir a racionalidade analítica ou os nossos sentimentos. De um lado, temos os nossos conhecimentos que nos tranquilizam, parcialmente, uma vez que sabemos quais medidas de proteção estão sendo tomadas pela Hungria e as poucas chances de nos encontrarmos diretamente envolvidos no conflito.

Os sentimentos reais, no entanto, aparecem quando estamos sozinhas e nossos pensamentos recapitulam os acontecimentos. Nesse momento, é quando mais precisamos uns dos outros, seja através de longas ligações ou mensagens que nos distraiam da nossa realidade: a guerra existe e é nossa vizinha.

Coisas simples como fogos de artifícios, antes símbolos de comemorações, se tornaram sinônimo do medo de um possível ataque, nos fazendo ligar assustadas para amigos enquanto seguimos para nossas varandas, apenas para descobrirmos que o medo não é só nosso, mas também de nossos vizinhos que demonstram em suas faces e suas ações o grande questionamento: O que devemos fazer?

Durante aulas e grupos de estudos, discutimos sanções e reafirmamos como a normalidade será mantida por aqui, mas, enquanto analisamos academicamente a chegada de refugiados no país e qualquer tipo de movimentações militares feitas tanto pelo governo húngaro quanto por outras potências, criamos planos de fuga caso seja necessário deixar o país.

Em nossa percepção, esta guerra é completamente injustificada e surpreendente, mesmo com as crescentes tensões políticas entre os dois países desde 2014, após a deposição do presidente ucraniano pró-Rússia, a anexação da península da Crimeia ao território russo e o apoio aos movimentos separatistas localizados nas províncias de Donetsk e Luhansk, localizadas no leste do país.

Para nós, era inimaginável vermos a Europa ter um dos seus países invadido, depois de quase 77 anos de paz. Vemos acordos internacionais criados para garantir a paz e boas relações diplomáticas serem quebrados e, como consequência, famílias são divididas e vidas são perdidas mais uma vez.

Agora, homens entre 18 e 60 anos enviam seus parentes como refugiados para outros países e se preparam para proteger a sua pátria contra uma potência que possui um poder bélico quase cinco vezes maior.

Duas questões nos restam. Quantas vidas ainda serão perdidas? E por quanto tempo ainda estaremos seguras?

 

Fonte: Só Sergipe

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