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Os acordos de não-persecução penal em debate

O consenso no processo penal remonta a 1988, quando a Constituição Federal deu as linhas gerais para que a Lei 9.099/1995 viesse regular a composição civil (art. 74), a transação penal (arts. 72 e 76) e a suspensão condicional do processo (art. 89).

03/09/2018 às 14h48, Por Juvenal Martins

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A Justiça consensual continua em expansão no Brasil e ainda parece novidade.

O consenso no processo penal remonta a 1988, quando a Constituição Federal deu as linhas gerais para que a Lei 9.099/1995 viesse regular a composição civil (art. 74), a transação penal (arts. 72 e 76) e a suspensão condicional do processo (art. 89).

Posteriormente, veio a colaboração premiada como acordo, o que foi possível já com a edição da Lei 9.807/1999. No formato de delação, os primeiros acordos foram firmados no Brasil a partir de dezembro de 2003, no caso Banestado, expandiram-se e foram depois chancelados pelo STF num habeas corpus (2008) e pelo TRF-4 numa correição parcial (2009).

As linhas estabelecidas pela prática forense foram levadas em conta pelo Congresso Nacional, quando aprovou a Lei 12.850/2013, que regula em mais detalhes o procedimento consensual como meio especial de obtenção de provas para o enfrentamento de organizações criminosas e crimes transnacionais.

Antes de sua expansão no campo do direito público, o consenso ganhou mais espaço no processo civil, que dele sempre se beneficiou. Com a edição da Lei 7.347/1985, alterada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), tornou-se comum a formalização pelo Ministério Público de termos de ajustamento de conduta (TAC), para solução de conflitos em torno de direitos individuais indisponíveis, coletivos e difusos:

Art. 5. (…)

§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

Notou-se já aí um protagonismo do Ministério Público brasileiro na solução de conflitos por meios extrajudiciais.

Simultaneamente, na instância administrativa, deu-se similar expansão. Primeiro vieram os acordos de leniência da Lei 10.149/2000, que alterou a Lei 8.884/1994 (Lei Antitruste). Mais tarde o modelo de leniência administrativa se consolidou no sistema brasileiro de defesa da concorrência, com a Lei 12.529/2011, sob a responsabilidade do CADE.

Logo em seguida o Congresso brasileiro aprovou e o Planalto sancionou a Lei 12.846/2013 (LACE), que dá às advocacias de Estado (como a AGU e as Procuradorias dos Estados) e aos órgãos de controle interno (como a CGU e as controladorias estaduais e municipais, onde existam) das unidades federadas a possibilidade de formalizar acordos de leniência em matéria anticorrupção.

A Lei 13.129/2015 e a Lei 13.140/2015 ampliaram ainda mais a diretriz consensual no direito público brasileiro, na medida em que permitiram a utilização da autocomposição e da arbitragem pela Admistração Pública, em harmonia com a principiologia do Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) que acabara de ser sancionado:

Art. 3º. (…)

§ 3º. A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

Desde a década anterior, quando entraram em vigor as primeiras leis de delação premiada, já se discutia a possibilidade de transação em casos de improbidade administrativa. O debate ficou por muito tempo interditado em função da vedação presente no §1º do art. 17 da Lei 8.429/1992 (LIA):

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

§ 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput.

Com a deflagração do caso Lava Jato em março de 2014, com a evidente imbricação de temas penais e não penais de corrupção, tornou-se urgente a implantação de soluções negociadas também em casos de improbidade administrativa.

Réus colaboradores, que se beneficiariam da nova Lei 12.850/2013 resistiriam, com razão, a formalizar acordos penais, dado o risco de serem acionados por improbidade administrativa na esfera cível, com evidentes repercussões sobre pessoas jurídicas a eles vinculadas que estivessem também envolvidas em atos de improbidade.

Uma das iniciativas adotadas foi a revogação do referido §1º pela Medida Provisória nº 703, de 2015, que, todavia, logo depois perdeu sua eficácia.

A partir de uma abordagem principiológica, da inspiração no direito comparado e no direito internacional e da adoção de critérios de razoabilidade da atuação do Estado, os primeiros acordos de leniência foram então formalizados pelo MPF em Curitiba, no contexto do caso Lava Jato.

Tais TACs para improbidade passaram a ser homologados pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que, na sequência, aprovou sua Orientação 7/2017 sobre acordos de leniência.

Este quadro impulsionou a adoção desse modelo consensual no âmbito judicial, que se conecta com a leniência administrativa, tanto da Lei 12.529/2011 quanto da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção Empresarial), na qual os acordos de leniência são manejados pela AGU e pela CGU. A leniência processual do Ministério Publico se coloca tanto no contexto da LIA (1992) quanto no da LACE (2013).

Faltava um passo fundamental nessa evolução, que aqui relato de forma muito singela: a adoção de acordos penais fora dos marcos da transação penal (o menos) e da colaboração premiada (o mais).

Assim como a composição civil do dano, a transação penal da Lei 9.099/1995 se foca nas infrações penais de menor potencial ofensivo, isto é, nas contravenções penais e nos crimes com pena inferior a dois anos de prisão. Já os acordos de colaboração premiada têm utilidade na produção probatória contra terceiros, no contexto de crimes graves. E os demais crimes que formam o maior contigente de delitos submetidos ao Judiciário?

Apesar da paulatina adoção de práticas de Justiça Restaurativa no Brasil, estimuladas pela Resolução 225/2016 do CNJ, o sistema de justiça criminal brasileiro ainda não se beneficiara dos acordos de simples confissão penal, formalizados antes do início do processo penal, mas sob controle judicial, destinados ao ajustamento da lide ou do conflito penal sem processo “tradicional”, mediante simples assunção de obrigações civis de fazer, não fazer ou dar.

Diante da necessidade de superar o impossível modelo nec delicta maneant impunita, característico do princípio da obrigatoriedade da ação penal, é que se vem avançando na adoção de acordos de não–persecução penal no Brasil.

Regulados pelo art. 18 da Resolução 181/2017, alterada pela Resolução 183/2018, ambas do CNMP, os acordos de não-persecução penal, de cunho bilateral, fundam-se no art. 129, inciso I, da Constituição, no art. 28 do CPP, no art. 3º do CPP (c/c o art. 3º do CPP) e noutros dispositivos legais e convencionais que lhes dão seus fundamentos de constitucionalidade e legalidade.

Sua adoção no Brasil tem provocado resistências daqueles juristas ainda aferrados ao princípio da obrigatoriedade. Foram propostas duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) contra a Resolução 181/2017, uma de iniciativa do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a ADI 5793, e outra de autoria da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a ADI 5790, o que pode ser sinal de reação de setores do Judiciário à justiça consensual e, mais do que isto, ao modelo acusatório de processo penal.

Ao longo desses 30 anos da Constituição Federal, tal diretriz totalitária (todo e qualquer delito deve ser levado a julgamento) se esgarçou e mostrou-se economicamente inviável e inviabilizadora das ideias de justiça e eficiência da persecução criminal, que deve guardar harmonia com a orientação de intervenção minima do sistema penal. Essa percepção fez surgir o moderno movimento de adensamento do princípio da oportunidade, ou prosecutorial discretion, que orienta o agir do Ministério Público nas democracias e nas sociedades de risco.

Esses e outros temas serão objeto de intensos debates no dia 24 de setembro de 2018, em São Paulo, na sede do MPF, por ocasião do Simpósio sobre Acordos de Não–Persecução Penal.

O idealizador e coordenador pedagógico do evento é o procurador da República Daniel de Resende Salgado, que tem larga experiência na Justiça criminal brasileira, tendo atuado em importantes casos em Goiás, Brasília e São Paulo.

O evento é aberto à comunidade jurídica, e os interessados podem se inscrever até o dia 24 de setembro, no local do evento, a sede da Procuradoria da República em São Paulo.

Espera-se também para breve a segunda edição atualizada do livro lançado pela editora JusPodivm sobre Acordos de Não-Persecução Penal. A obra coletiva foi coordenada pelos professores Francisco Dirceu Barros, Rogério Sanches Cunha, Renee Souza e Rodrigo Cabral. Não perca, pois ficou ainda melhor.

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