Artes Plásticas

Artista plástica pinta quadros usando sangue menstrual e se conecta com a ancestralidade e o sagrado feminino

O ato de pintar com sangue e de muitas mulheres enxergarem o sangue menstrual como um fluido sagrado é um movimento que parte do autoconhecimento, da aceitação das mulheres e a iniciativa já é vista em alguns lugares e através de expressões artísticas ao redor do mundo.

16/03/2018 às 08h34, Por Rachel Pinto

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Rachel Pinto

Aos 42 anos de idade, a artista plástica feirense Simone Santos Rasslan está quebrando muitos tabus, fazendo novas descobertas e entrando cada vez mais em conexão consigo mesma, com a natureza e com o sagrado feminino.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

Ela conta que esses novos olhares surgiram há dois anos quando estava se sentindo muito só e sem direção e encontrou apoio junto a outras mulheres que formam uma ciranda que tem como objetivo ajudar umas às outras, estudar sobre questões místicas, de saúde e de tudo que envolve a vida e o universo feminino. Participar e aprender com essa ciranda, segundo a artista plástica, foi uma forma de resgate de ter novas vivências.

Um desses aprendizados foi justamente um curso de ginecologia natural, que ela participou e também debates sobre o que a menstruação significa para a mulher, como um processo natural e fisiológico de mulheres, mas que ainda é algo que vive escondido na sociedade e é tratado com rejeição e nojo.

Partindo dessa ideia de ver o tema com mais naturalidade e da proposta de autoconhecimento, Simone que é formada em letras com espanhol, design de moda e atua como artista plástica desde a adolescência, resolveu pintar quadros com o seu próprio sangue menstrual. A exposição intitulada “Feminino Sagrado” estará presente no Centro Universitário de Cultura e Arte (Cuca) até esta sexta-feira (16) e traz telas da artista pintadas em tintas e também quadros pintados com sangue. A força feminina, elementos naturais, da ancestralidade são alguns dos aspectos retratados nos quadros, que trazem várias leituras sobre questões femininas, sociais, ambientais e políticas.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

“Como toda mulher eu sempre vivi naquele quadradinho de que muita coisa você não pode fazer. Dentro daqueles tantos tabus eu comecei a querer conhecer coisas novas e então veio essa ciranda de presente para mim. Descobri que ser mulher não é ruim, não é tão sacrificante e que a gente não tem que ter tanto tabu de várias coisas. É muito simplificado. A nossa conexão com a natureza é muito mais forte do que eu poderia imaginar. Comecei a ligar dois assuntos que eu gosto bastante e que estavam me alimentando. Pensei em alimentar a alma das outras mulheres e colocar na minha arte para ajudar a resgatar outras mulheres”, afirma a artista.

Driblando preconceitos

O ato de pintar com sangue e de muitas mulheres enxergarem o sangue menstrual como um fluido sagrado é um movimento que parte do autoconhecimento, da aceitação das mulheres e a iniciativa já é vista em alguns lugares e através de expressões artísticas ao redor do mundo. Além das pinturas com o sangue, há também trabalho fotográficos e o ritual de devolver o sangue menstrual à terra como forma de aprendizado e fechamento de ciclos. Essa iniciativa chama-se ‘Plantar Lua’ e de acordo com algumas mulheres permite mais segurança, entendimento e conhecimento do próprio corpo.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

Simone relata que após várias percepções começou os experimentos de pintar com o sangue. Ela diz que esse processo aconteceu de forma gradativa e desconstruindo vários comportamentos e paradigmas.

“Quando eu era adolescente ia para o supermercado e pegava um monte de outros produtos. Ficava olhando para a prateleira do absorvente esperando as pessoas saírem. Quando todos saiam eu pegava o absorvente escondido e jogava no carrinho. Naquela época eu escondia o absorvente que eu ia comprar e hoje eu exponho o meu sangue em pinturas no Cuca. É um processo interno muito grande”, explica.

Irmandade entre as mulheres

Uma das mensagens transmitidas pelos quadros de Simone e também fruto das experiências vividas através da ciranda de mulheres que ela participa é a solidariedade e a irmandade entre as mulheres. Conversar sobre todos os assuntos sem preconceitos ou pretensões e não alimentar nenhum tipo de competitividade. Fazer com que as mulheres se fortaleçam cada vez mais e se tornem mais amigas umas das outras e resgatem o sentimento de sororidade.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

“Buscamos resgatar essa irmandade entre nós mulheres. Que é uma coisa nata da gente. Essa conexão com a natureza com as nossas ancestrais. Troca de conhecimentos e conversar mais sobre todos os assuntos”, diz.

A exposição

Simone Rasslan revela ainda que a exposição tem três vertentes. A parte da ancestralidade que traz um quadro com a imagem da sua avó, a parte da conexão com a natureza, com o feminino, que são os quadros coloridos pintados com tinta e a parte do autoconhecimento e resgate, que são as pinturas feitas com sangue menstrual.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

Nesse sentido, ela explica que tudo têm um significado e vários elementos que estão nos quadros são justamente para que as pessoas possam pensar e refletir acerca do papel da mulher na sociedade. Alguns tecidos queimados que estão na exposição remetem desde as fogueiras da inquisição onde muitas mulheres foram queimadas, ao incêndio na fabrica têxtil que marcou o dia 8 de março, a luta das mulheres e ainda as mulheres que são vítimas de violência todos os dias. Os quadros com o sangue menstrual estão entrelaçados e passam o sentimento de instabilidade, de tabus, amarras e ciclos que as mulheres passam na sociedade.

Há também a alusão ao ciclos da lua e de que toda mulher em si é como a lua. Tem suas fases e há momentos mais intensos e momentos mais minguantes. Para Simone é necessário também que as mulheres percebam essas situações e aprendam mais com cada ciclo, cada momento.

“Que percebam que seus corpos são sagrados e que tomem para si seus próprios corpos. O corpo que é da mulher e mais ninguém. Vão olhar para si se sentir sagradas. Fazer seus rituais de sacralidade, meditação e respeitarem cada tempo”, acrescenta.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

Ginecologia natural

Ainda no leque de percepções trazido pela exposição “Feminino Sagrado”, estão muito fortes questões voltadas para a saúde e o bem-estar feminino. Simone pontua que o objetivo é que cada mulher possa refletir o que é melhor para si e fazer suas escolhas.

No entanto, todas as reflexões caminham para que as mulheres despertem para uma vida mais consciente e mais saudável possível. O uso das ervas medicinais está muito presente na troca de saberes entre as mulheres, bem como a utilização do coletor menstrual, de absorventes ecológicos e paninhos.

Simone novamente destaca que a menstruação é um processo natural entre as mulheres e não há porque sentir nojo nem esconder. O sangue menstrual é um sangue totalmente estéril, fruto da descamação das paredes internas do útero e os sintomas da Tensão Pré-Menstrual (TPM) são entendidos como mensagens emitidas pelo corpo e o autoconhecimento vai fazer com que cada uma se entenda e encontre as suas respostas. Além disso, que muitas mulheres entendam que também têm os seus momentos em que é preciso desacelerar.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

Ao lado de cada quadro da exposição há mensagens e textos de mulheres escritoras e Simone observa que o objetivo é fazer com que as pessoas fiquem instigadas a buscar essas leituras e outros conhecimentos. Entre alguns desses fragmentos de textos podem ser citadas as autoras: Mirella Faur, Clarissa Pinkola Estés e Fanny Glémarec.

Cuidar do outro e também de si

Os sentimentos de resgate que Simone teve ao mergulhar no universo do sagrado feminino e de encontrar mulheres que lhe apoiam, lhe compreendem e ajudam, ela quer passar através da sua arte para outras mulheres e chamando atenção que é preciso que elas possam cuidar mais de si. Cuidem do outro, mas que olhem para si com mais naturalidade e compreensão.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

“Que as mulheres possam olhar para si com mais amor e com o olhar de amigas. Que tenham o olhar mais ameno com elas mesmas. Começar a resgatar tudo isso e a buscar mais espaço e tempo para as nossas coisas. Somos capazes, somos mulheres e nos respeitem por isso”, declarou.

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