Entrevista

Psicólogo destaca relação entre a depressão e jogos virtuais

Em Feira de Santana, os casos de duas adolescentes da zona rural, de 13 e 16 anos, que participaram do jogo 'baleia azul', vieram à tona na última semana.

24/04/2017 às 15h59, Por Kaio Vinícius

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Laiane Cruz

O jogo virtual da ‘baleia azul’, que consiste em uma série de desafios, entre elas a automutilação e o suicídio, tem preocupado pais e educadores em todo o Brasil e colocado em foco questões como a depressão e o suicídio entre crianças e adolescentes.

Em Feira de Santana, os casos de duas adolescentes da zona rural, de 13 e 16 anos vieram à tona na última semana. Ao Acorda Cidade, as vítimas relataram ter feito cortes pelo corpo com navalha e pensaram em tirar a própria vida. Uma delas disse ter ouvido vozes que insistiam para que ela se matasse. As amigas só pararam após a descoberta das famílias de ambas, que agora estão em busca de tratamento para elas. (Ouça os relatos das jovens aqui)

Em entrevista ao Acorda Cidade, o psicólogo Carlos Henrique Cruscheswsky falou sobre as causas que podem levar crianças e adolescentes a entrarem em um jogo como este, que induz ao suicídio. E como a participação dos pais na vida desses jovens pode salvá-los de situações perigosas no mundo virtual.

Acorda Cidade – Quais os efeitos de um jogo como esse na cabeça das pessoas, principalmente dos jovens?

Carlos Cruscheswsky – No finalzinho da década de 70 e início da década de 80 também existiu um jogo que preocupou muito as pessoas, que vinha da Rússia, que é o país no mundo que tem o maior índice de suicídio de jovens, que era a roleta russa. O sujeito colocava uma bala no tambor do revólver e ia passando na mão de cada um e iam atirando na cabeça. O grande ponto não é esse. O que chama a atenção no jogo da baleia azul é que ele acontece nas mídias sociais e os jovens de hoje nunca estiveram tão conectados. A gente vive um mundo bastante ligado nas redes sociais. Do ponto de vista filosófico, o suicídio é uma questão muito antiga. É o momento em que o sujeito está olhando pra si mesmo, olhando pra o mundo, avaliando, e tirando a conclusão de que não vale a pena. A pessoa que recorre à via do suicídio pode ser justamente pra atrair algum tipo de atenção e suprir algum tipo de falta, e existe um pedido nesse momento que não é especificamente morrer. E existe aquele que está decidido, já se reavaliou, avaliou o mundo e já decidiu que não vale a pena, e segue na direção da morte por decisão própria.

Acorda Cidade – Em alguns casos, os pais incentivam as redes sociais pra criança ou o jovem ficar isolado e deixá-los em paz.

Carlos Cruscheswsky – O que chama atenção no jogo é que é um retrato do nosso momento social. Os jovens hoje têm medos e os adultos geralmente minimizam. E eu me pergunto onde estão os pais, porque uma das fases do jogo diz respeito ao seu filho acordar às 4h20 e assistir filmes no meio da madrugada. Parece que o modelo de família que se tinha tem falido aos poucos. Cada um tem uma televisão em cada cômodo da casa. A mãe está no instagram, o pai no facebook, o filho está trancado no quarto, no whatsapp. Geralmente, eles já comem separados e está todo mundo num micromundo, onde eles não se comunicam, ou seja, quem é que se ocupa dessa geração? Os jovens da geração Y, como é chamada, têm medo e sentem que este é um mundo muito pior do que era na época dos pais. Eles sentem que a cobrança em cima deles é muito maior. Muitas vezes os pais falam que o filho é muito mais evoluído do que ele, mas na verdade o filho está perdido em meio a uma série de medos que ele têm, com a dificuldade imensa de criar relações afetivas e sofrendo uma série de coisas, e há uma cobrança muito grande em cima dessa geração, esperando que eles sejam extremamente resolvidos e isso traz um ambiente no qual eles precisam fingir que são bem resolvidos. A gente também não pode demonizar esses objetos, porque hoje estamos ligados ao mundo através desse tipo de coisa. A televisão tem perdido audiência muito em função da internet e as mídias sociais são interessantes em determinado momento, mas se interessar pelo que o filho está consumindo na internet é muito mais importante. Se você solta o seu filho, outro vem e adota. A internet está aí com um monte de gente que vem e capta essas pessoas.

Acorda Cidade – Alguns pais alegam que é muito difícil controlar o uso da internet pelos filhos. Qual sua opinião sobre isso?

Carlos Cruscheswsky – Eles estão consumindo bastante séries e os jogos eletrônicos, e na maior parte das vezes eu vejo os pais diante de uma crítica e rejeitar esse mundo, do que de fato se interessar por ele. Os pais devem procurar saber o que o filho está postando no Facebook, que tipo de material está publicando, pois as coisas que ele posta são reflexo da mente dele. Quem são os amigos do seu filho? Os pais perderam a possibilidade de conversar com os filhos, interagir e criarem laços de fato.

Acorda Cidade – O que leva as pessoas a aceitarem esses desafios tão perigosos?

Carlos Cruscheswsky – O jogo parece ser o retrato de uma geração angustiada e a gente não pode deixar de falar da depressão, que é uma patologia, um problema, e que afeta jovens, crianças, adultos, e as pessoas sofrem com esse mal e buscam alternativas. O jogo da baleia azul tem cinquenta etapas e é interessante observar como ele consegue captar a pessoa que já cogitou a possibilidade do suicídio, está deprimido, mas ainda não conseguiu reunir coragem suficiente pra isso. O jogo está ampliando a angústia desse sujeito fase a fase para que quando ele chegue no desafio 50 consiga esse objetivo, que é se matar. A geração de hoje tem sofrido bastante com o mal da depressão. Então procurem ajuda, um psiquiatra, um psicólogo, os dispositivos públicos, que oferecem esse tipo de ajuda. Existe uma questão curiosa, que é a terceirização da educação dos filhos. A escola hoje é a responsável pela educação dos filhos, coisa que antes era voltada pra família.

Acorda Cidade – As transformações como agressividade, ouvir vozes e ver vultos pretos. Qual é a explicação pra isso?

Carlos Cruscheswsky – Se alguém está interpretando isso do ponto de vista religioso, é importante que busque a possibilidade de ajudá-lo no campo da religiosidade. Cientificamente falando, o que a gente percebe é que existem os delírios, pois a pessoa angustiada delira também. O sujeito pode ter depressão e esquizofrenia, por exemplo. Pode fazer parte de um quadro psicótico.

Acorda Cidade – Quais as características das pessoas mais vulneráveis a essa manipulação do jogo?

Carlos Cruscheswsky – O primeiro sinal que aparece em adolescentes com depressão são as notas na escola que começam a baixar, eles começam a ficar mais retraídos, a perda do prazer nas atividades cotidianas, com maior dificuldade em sair do quarto, comer demais ou não dormir e não comer são sinais que precisam ser observados. A grande questão é, que se pararmos pra observar, alguns pais não parecem estar muitos atentos a essas pequenas mudanças dos filhos, porque não os conhecem.

Acorda Cidade – Alguns especialistas dizem que os pais não devem invadir a privacidade dos filhos. Portanto como fazer esse monitoramento?

Carlos Cruscheswsky – Isso realmente acontece. Existe uma série de pedagogos e psicólogos que falam sobre isso. Eu penso que não se trata de invadir a privacidade da pessoa, porque existem diversas formas de se fazer isso. Se você entende que o mundo do seu filho é um risco e que ele está fazendo qualquer coisa de errado e você demoniza o mundo dele aí tem um problema. Você precisa se interessar pelas coisas que ele está fazendo, o tipo de filme que ele está assistindo. Chamá-lo pra ir num cinema. Isso não é invasão, é fazer parte do mundo dele. Quando se fala em invasão, isso diz que claramente o seu filho vive em um mundo e você no outro. Você tem que compartilhar o mundo com ele. Eu queria apontar que nós seres humanos somos sociais, a gente vive num conjunto. A gente interage com esse mundo e aprendeu a fazer isso com as primeiras pessoas que a gente vê na vida, que são os pais. Se a gente não é capaz de estabelecer vínculo afetivo com eles, como esperamos criar laços com outros que nos cercam? Só que hoje a gente não cria laço afetivo, é difícil de criar, e toda vez que se rompe causa um trauma, uma dor, e os adolescentes hoje olham o amor como uma coisa extremamente ameaçadora. As mídias sociais trazem uma facilidade incrível, e a gente não precisa fazer laço afetivo com quem está lá. A gente só precisa conectar e desconectar, e não causa dor estar online ou offline. Então esse mundo digital aproxima pessoas e as afasta de um jeito brutal.

Acorda Cidade – Para qual profissional os pais devem encaminhar esses filhos? Isso é um assunto para qual psicólogo ou psiquiatra?

Carlos Cruscheswsky – Depende do caso. É importante buscar os dispositivos públicos, como o Cras (Centro de Referência de Assistência Social), que geralmente tem um psicólogo social e vai avaliar o caso. E se for o caso de um atendimento psicológico ou psiquiátrico, os dispositivos mais indicados são os Caps (Centro de Atenção Psicossocial).

Acorda Cidade – Porque a depressão está avançando muito na vida das pessoas?

Carlos Cruscheswsky – O índice é realmente muito alarmante, mas eu penso que essa distância que a gente tem tido do mundo, das pessoas que nos cercam e essa cobrança que o mundo tem sobre tudo estão deixando as coisas muito complicadas. Parece que tem um movimento que diz que a tristeza é patológica, e isso não é verdade. A tristeza faz parte dos sentimentos humanos. É completamente normal que as pessoas se sintam tristes em algum momento. A vida é isso aí, é resolver uma série de problemas, e a gente não vive a ditadura da felicidade. Mas, a depressão não é essa tristeza que vem e a gente é capaz de lidar. A depressão é um quadro patológico muito grave, onde o sujeito perde qualquer tipo de vontade e de seguir em frente, qualquer possibilidade de encontrar prazer e as relações afetivas não conseguem ajudar muito, pois as pessoas não estão tão próximas pra observar isso. A depressão pode ser orgânica e também psicológica. Ela pode se tratar de uma disfunção hormonal no corpo, cerebral e que precisa de medicação, e pode se tratar também de uma questão psicológica e aí pra ambas deve-se procurar ajuda. Aquele que está se sentindo triste, que a vida perdeu o brilho, o sentido, se isso se prolonga por muito tempo e há dificuldade de levantar da cama, se não tem mais vontade de levantar pra trabalhar ou ir à escola, procure um médico, um psicólogo. É isso que leva à morte e ao suicídio, e não a baleia azul.

Acorda Cidade – Porque a pessoa não tem controle?

Carlos Cruscheswsky – Porque o que há de mais forte no ser humano é o desejo e quando você perde isso, vai perdendo a vontade de fazer as coisas.

Acorda Cidade – O que fazer quando uma pessoa com depressão não quer se tratar?

Carlos Cruscheswsky – Quando estamos falando de ajuda, a gente está amarrado num tripé, que é ter alguém que pede, ter alguém disposto a ajudar e ter condições pra que essa ajuda chegue. Sentir depressão e não querer tratar é tão grave e tão profundo quanto os quadros mais profundos da doença. Entretanto, a pessoa precisa compreender que o seu quadro é grave e ela precisa de ajuda. 

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