Direito processual penal

Capitais federais

Cabe ao Procurador-Geral da República a apreciação de conflitos de atribuição entre órgãos do ministério público.

15/09/2016 às 09h05, Por Juvenal Martins

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Por Vladimir Aras

Em questão de ordem na ação civil originária (ACO) 1567 QO/SP, o STF decidiu mais uma vez que cabe ao Procurador-Geral da República (PGR) resolver conflitos de atribuição entre órgãos do Ministério Público Federal e do Ministério Público dos Estados Membros. Consta do Informativo 835:

PGR e conflito de atribuição entre órgãos do ministério público

Cabe ao Procurador-Geral da República a apreciação de conflitos de atribuição entre órgãos do ministério público.

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, resolveu questão de ordem no sentido do não conhecimento da ação e remeteu os autos ao Procurador-Geral da República.

No caso, instaurara-se conflito negativo de atribuições entre ministério público estadual e ministério público federal, para apuração de crime contra o mercado de capitais previsto no art. 27-E da Lei 6.385/1976.

O Tribunal consignou que a competência para a apreciação de conflitos de atribuição entre membros do ministério público, por não se inserir nas competências originárias do STF (CF, art. 102, I), seria constitucionalmente atribuída ao Procurador-Geral da República, como órgão nacional do ministério público.

ACO 1567 QO/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 17.8.2016. (ACO-1567)

O caso concreto diz respeito a crime previsto na Lei 6.385/1976, que regula as infrações penais contra o mercado de capitais, entre elas o insider trading.

O artigo 109 da Constituição Federal parece ser silente quanto a tais condutas, pois, ao tipificá-las em 2001, o legislador não aclarou a competência federal tal como adequadamente fizera a Lei 7.492/1986, que tipifica os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. No particular a Lei de Mercado de Capitais lista os seguintes crimes:

DOS CRIMES CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS
(Incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)

Manipulação do Mercado

Art. 27-C. Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas, com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

Uso Indevido de Informação Privilegiada

Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

Exercício Irregular de Cargo, Profissão, Atividade ou Função

Art. 27-E. Atuar, ainda que a título gratuito, no mercado de valores mobiliários, como instituição integrante do sistema de distribuição, administrador de carteira coletiva ou individual, agente autônomo de investimento, auditor independente, analista de valores mobiliários, agente fiduciário ou exercer qualquer cargo, profissão, atividade ou função, sem estar, para esse fim, autorizado ou registrado junto à autoridade administrativa competente, quando exigido por lei ou regulamento:

Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

A chave do segredo está no artigo 109, inciso VI, da Constituição, segundo o qual compete aos juízes federais processar e julgar “os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira“.

Em relação aos crimes contra o SFN, o artigo 26 da Lei 7.492/1986 diz:

Art. 26. A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal.

Os crimes contra o mercado de capitais podem ser classificados como delitos contra o sistema financeiro nacional, razão pela qual a eles também aplicar-se-ia o artigo 26 da Lei 7.492/1986. Logo, teríamos competência federal para o processo de todos eles.

Ademais, os crimes da Lei 6.385/1976 também ofendem interesse da União e de uma autarquia federal (a CVM), razão pela qual compete aos juízes federais julgá-los, conforme o artigo 109, inciso IV, da CF.

No primeiro processo por insider trading julgado no Brasil, a ação penal tramitou perante a Justiça Federal em São Paulo. Trata-se do precedente relacionado à compra da Sadia pela Perdigão, empresas que agora formam o conglomerado Brasil Foods. A denúncia foi de autoria do procurador da República Rodrigo de Grandis.

Em 2011, a 6ª Vara Federal de São Paulo condenou (aqui) dois executivos da Sadia, um deles à pena de 2 anos, 6 meses e 10 dias de reclusão pelo crime de uso indevido de informação privilegiada (insider trading). O outro réu mereceu reprimenda mais branda, que acabou prescrevendo. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), uma autarquia federal, atuou como assistente de acusação do MPF. A condenação remanescente foi confirmada pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade (STJ, 5ª Turma, rel. Min. Gurgel de Faria, REsp 1569171/SP, j. em 16/02/2016).

Os dois executivos brasileiros também foram investigados pela Securities and Exchange Commission (SEC) e acabaram firmando acordo nos Estados Unidos, ainda em 2007, que resultou em confisco administrativo de quantia correspondente ao enriquecimento ilícito (disgorgement), multa civil e proibição de exercerem certas atividades em empresas de capital aberto, seguradoras e corretoras de valores.

No STJ, a questão está praticamente pacificada desde 2009, quando do julgamento do conflito de competência CC 82.961/SP:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS. INTERESSE DA UNIÃO NA HIGIDEZ, CONFIABILIDADE E EQUILÍBRIO DO SISTEMA FINANCEIRO. LEI 6.385/76, ALTERADA PELA LEI 10.303/01. AUSÊNCIA DE PREVISÃO DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ART. 109, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. APLICAÇÃO. RELEVÂNCIA DA QUESTÃO E INTERESSE DIRETO DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1. O fato de tratar-se do sistema financeiro ou da ordem econômico-financeira, por si só, não justifica a competência da Justiça Federal, embora a União tenha interesse na higidez, confiabilidade e equilíbrio do sistema financeiro.

2. A Lei 6.385/76 não prevê a competência da Justiça Federal, porém é indiscutível que, caso a conduta possa gerar lesão ao sistema financeiro nacional, na medida em que põe em risco a confiabilidade dos aplicadores no mercado financeiro, a manutenção do equilíbrio dessas relações, bem como a higidez de todo o sistema, existe o interesse direto da União.

3. O art. 109, VI, da Constituição Federal não tem prevalência sobre o disposto no seu inciso IV, podendo ser aplicado à espécie, desde que caracterizada a relevância da questão e a lesão ao interesse da União, o que enseja a competência da Justiça Federal.

4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, um dos suscitados.(STJ, 3ª Seção, CC 82.961/SP, rel. min. Arnaldo Esteves Lima, j. em 27/05/2009).

No caso agora em exame e em linha com a nova orientação do STF, caberá ao PGR decidir se atribuição para a persecução criminal é do Ministério Público Federal ou do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Uma vez definida a atribuição (promotor natural) para a causa e havendo provocação a autoridade judicial com vistas a persecução criminal, diligências, negociação penal ou arquivamento, será encontrado o juiz natural.

Creio que será federal a atribuição para cuidar da investigação pela suposta prática de crime contra o mercado de capitais previsto no art. 27-E da Lei 6.385/1976 (exercício irregular de cargo, profissão, atividade ou função). 

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